quarta-feira, 15 de junho de 2016

O Relógio Barato e a Moça de Grife

Eu gosto de relógios de espessura fina e que não pesem no braço. Destes que de tão discretos só mostram as horas e não me incomodam fazendo tic-tac. Pra quê mostrador de profundidade, se não sei nadar e tenho medo de água ou de que adianta saber quantas vezes o meu coração bate, pois por quem ele bate não é ouvido? Finalmente, depois de procurar pelas lojas encontrei um que se enquadrava ao meu gosto e ainda custava o preço de uma pizza grande. O seu mostrador era redondo com o fundo branco e no centro um par de ponteiros girava apontando para números arábicos elegantes. Ele não era de uma marca chique, pelo contrário era bem popular, mas de qualidade confiável, não era coisa de camelô. De qualquer forma, não era o tipo de relógio que as pessoas que se importam com grifes gostariam de ostentar no pulso para mostrar ao mundo que estão bem de vida.

Com o uso frequente, fui aos poucos percebendo as vantagens de possuí-lo. Certa vez eu ia num ônibus, destes que se paga mais por um pouco de conforto, quando percebi a presença de um rapaz que se aproximava pelo corredor com as mãos cheias de bugigangas. Fiquei surpreso por deixarem um vendedor ambulante entrar naquele tipo de ônibus e só me dei conta de que, na verdade, se tratava de um assaltante quando ele me mandou passar tudo. Quando lhe entreguei o relógio, no entanto, o assaltante examinou-o com desdém e o devolveu dizendo que não queria aquilo. Meu prejuízo foi pouco, pois não saio com celular e nem coloco documentos e cartões de crédito na carteira que quase sempre carrega apenas trocados, nada que dê alegria a assaltante.

Mas esta não foi a única vez que tentaram levar meu relógio que, para mim, virou motivo de satisfação possuí-lo, pois estava claro que este não era o querido dos ladrões. Outra vez tive a sorte de ser abordado novamente por um assaltante nas imediações de minha casa e como eu não tinha um celular para entregar-lhe, ele levou o relógio.  Entretanto, encontrei-o mais adiante jogado ao chão; o bandido deve ter desistido dele e me jogado uma praga!

O caso mais emblemático que envolveu o meu bom e barato relógio, no entanto, ocorreu quando uma bela moça a quem eu cortejava, finalmente cedeu aos meus convites para sair comigo. Ela caprichou na elegância, calça da Kalvin Kleine, blusa da Farme, bolça da Victor Hugo, Sapatos da Arezzo, perfume da Carlina Herrera e, como constatei mais depois da segunda garrafa de vinho – ela era difícil na queda! –, lingerie da Victoria Secret. Além de se vestir a peso de ouro, sabia recitar nomes de vinhos caros, os hotéis e restaurantes mais luxuosos de Nova Iorque a Paris e demonstrava ter domínio destes conhecimentos com tal conhecimento de causa e orgulho que até me fez bocejar de sono. E quando ela me deixava falar um pouquinho, eu percebera que ela olhava discretamente o meu relógio, talvez para não demonstrar indelicadeza consultando as horas em seu próprio pulso. A noite para mim transcorreu agradável e educativa, e quando finalmente terminamos na cama, eu sussurrava em seu delicado ouvido nomes de grife famosas que me vinham à memória enquanto fazíamos amor, com o intuito de aumentar o seu prazer.

E, no dia seguinte, como manda a etiqueta, mandei-lhe mensagens agradecendo-lhe pela noite esplendida, ao que ela correspondia com “emotions”. No entanto, os convites para um segundo encontro eram sempre recebidos por ela com entusiasmo, mas que ela educadamente os cancelava poucas horas antes e assim aconteceu sucessivamente. E finalmente enquanto eu refletia o possível motivo daquela rejeição, só me vinha na cabeça uma explicação lógica: foi o relógio barato!


Rio Vermelho, 14 de junho de 2016