quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

A Bala da Felicidade

O Sr. Aurelino era conhecido pelo seu crônico mau humor e por sua falta de cortesia ao tratar os que entravam em sua mercearia. E esbouçar um sorriso aos que ele atendia ao balcão, isto, então, nem se fala. Resmungava ao respondê-los, às vezes tinha de repetir para ser entendido. Apesar deste seu azedume, a freguesia não deixava de ir comprar em sua loja, não porque os seus preços compensassem o tratamento rude, mas porque esta era a única das redondezas.

Nas últimas duas semanas, entretanto, algo inédito acontecia naquela sombria loja, motivando comentários impressionados e maldosos de sua fiel clientela. Ao entrar na mercearia de seu Aurelino, o freguês era saudado com um largo sorriso do proprietário e tratamentos corteses de “bom dia!” e “como tem passado?”.

Uns achavam que ele finalmente houvesse tomado vergonha na cara e frequentado um curso de boas maneiras para tratar o cliente. Outros comentavam que talvez ele estivesse tomando um desses remédios modernos que mudam a personalidade da pessoa e que fazem elas ficarem alegres o dia todo. Outros apostavam que ele tinha ganhado uma bela de uma herança. Ou que aquele seu repentino estado de bom humor era o resultado de ele ter batido com a cabeça numa queda. Mas nenhuma daquelas especulações explicava realmente o motivo da mudança de comportamento de seu Aurelino e nem por isso as pessoas deixavam de comentar e de fazer suposições, o que, aliás, é próprio do gênero humano.

Imaginem, o seu Aureliano agora ouvia música no rádio, assobiava, até cantarolava! A loja estava mais arrumada. Saltava aos olhos que o chão tinha sido lavado, as mercadorias espanadas e colocadas ordenadamente nas prateleiras. As teias de ranhas nos cantos tinham sumido finalmente. Talvez alguém tivesse encomendado um despacho para que ele se transformasse num cidadão simpático. E o feitiço tinha dado certo! Fosse o que fosse, todos estavam satisfeitos com tal mudança e felizes por saber que algo de bom estava provavelmente acontecendo em sua vida.

Certo dia, um velho veio até a loja. Depois dos tratamentos cordiais que agora o comerciante dispensava à freguesia, ele abriu a gaveta por trás do balcão para guardar o dinheiro e de lá tirou um pequeno objeto.

— Tome aqui uma bala para adoçar o seu dia. – ele disse ao tirar um comprimido da cartela em sua mão e passando-o ao freguês. Acrescentou: – Eu tomo um desses todos os dias e não falha nunca!

O velho retribuiu a gentileza com um sorriso de felicidade, parecia uma criança que tinha acabado de ganhar um doce. Ele jamais tinha visto um daqueles antes, mas certamente já ouvira falar dos poderes milagrosos do Viagra!


Rio Vermelho, 1 de janeiro de 2015.

4 comentários:

Yumara disse...

O final me decepcionou... esperava que a "bala" não fosse Viagra ou Extase... Esperava que a bala fosse alguma daquelas da infância... que não se encontram mais!Bala de coco, alferes, canudinho de coco... "homenzinhos coloridos"... até "dimbinho" e "zorro"... mais recentes... Mas valeu pelo texto... sempre lindo e com vontade de ler mais! FELIZ 2015! E que continue "cronicando" e compartilhando!

Sarnelli disse...

Cris, a leitura , até que mantém o leitor interessado no final. Eu conhecia uma história de uma senhora que vivia sempre alegre e disposta e que dava conta da casa, fazia tudo, uma maravilha! Uma senhora de idade. Ninguém sabia como e porque aquela senhora tinha tanta saúde, disposição energia para realizar todo os trabalho do dia, sozinha e terminar o dia inteirinha. Um dia, o segredo foi descoberto quando alguém lhe perguntou o porquê daquilo tudo. Ela então disse ingênuamente, que havia encontrado um matinho no quintal e que todos os dias tomava um chazinho pela manhã... Quando foram ver o tal do matinho, descobriram que o tal do matinho era canabis. Um chazinho leve pela manhã fazia um bem extraordinário. Eu pensei que o Sr. Aurelino andava tomando chazinho de maconha ! Você me enganou !

Anônimo disse...

Cristiano,
Gostei muito do seu estilo, excelente narrativa.
Um feliz ano novo, de muita criatividade e inovação.
Abs,

Atenciosamente,

Moisés Dantas

Anônimo disse...

Olá Cristiano!
Sempre bem humorado e com a criatividade a toda prova!
Um 2015 maravilhoso, com saúde, paz e muitos e muitos "causos" criativos!
Um forte abraço
Arlene Barreto