Depois de muitos anos ausente do
bairro do 2 de Julho, Fefeu voltou a frequentar o lugar onde nasceu e se criou,
num sobrado na Rua do Sodré, próximo ao Beco do Mingau. Mas o retorno àquele lugar
caótico e fedorento no centro da cidade, em nada tinha a ver com uma súbita
necessidade de ele voltar às suas origens. O motivo era bem menos nobre que se
imagina.
É que Fefeu redescobrira o amor
nos braços e entre as pernas de Jandira, uma morena de curvas acentuadas e
seios de se perder de paixão. Ela era vendedora na pequena loja onde ele costumava
comprar a ração para o gato da esposa, cuja afeição desmesurada pelo felino substituíra
a indiferença do marido. Nas idas frequentes ao estabelecimento comercial, o
romance floresceu. Ela residia lá no 2 de julho.
Duas vezes por semana, então, Fefeu
desviava-se do caminho para ir jogar dominó com os amigos para cumprir
expediente no 2 de Julho, onde passava o resto da tarde no aconchego dos seios
de Jandira. Em suas frequentes jornadas de paixão, ele nunca se descuidava de
levar um doce para o filho de sua amada, um menino esperto de seis anos a quem
prometera, caso ele não incomodasse enquanto a mamãe e o titio estivessem tendo
uma “conversa de gente grande” enclausurados no quarto, um bonito brinquedo de
presente de Natal.
Dois dias antes da véspera de
Natal, ao chegar no 2 de julho, Fefeu lembrou-se da promessa ao garoto. Meteu a
mão no bolso e tirou de lá uma nota de cinquenta que olhou com um pingo de
desapontamento. Era tudo o que tinha, mas não ia decepcionar o garoto que
provavelmente iria aprontar um fuzuê caso não ganhasse o tal brinquedo e, de
lambuja, ainda iria ter de enfrentar o mal humor de Jandira que era capaz de
negar os seus favores até que ele cumprisse a sua promessa. Estava decidido, ia
comprar um brinquedo barato num bazar árabe que havia na Conceição da Praia,
não muito distante dali.
Desviou do seu caminho para ir
ver Jandira, que morava num apertado apartamento localizado na Rua do Areal de
Cima, e foi para o comércio descendo a pé pela deserta Visconde de Mauá. Aquele
contratempo certamente lhe subtrairia preciosa hora de prazer com a sua amada,
mas ele contava ser depois recompensado em dobro por ela que certamente iria saber
demonstrar o seu reconhecimento por sua atenção com o menino.
Quando já percorrera metade do
caminho antes de alcançar a Ladeira da Preguiça, um vulto pulou inesperadamente
à sua frente, sem que ele soubesse vindo de onde, de braços abertos, segurava
numa das mãos um reluzente punhal.
— Fefeu! Ô, Fefeu! Você por
aqui?
A cor sumira de sua face naturalmente
lívida. De sua garganta saiu apenas um gemido.
Suas pernas começaram a tremer pelo efeito do susto. Quem era aquele negão
enorme que sabia o seu nome?
— Ô, rapaz, não está me
reconhecendo? É Netinho. Quando a gente
era moleque, a gente cansava de nadar lá na praia da Gamboa. Tá lembrado?
— Ah sim, claro. Netinho! –
mesmo aliviado por ter encontrado um amigo de infância, suas pernas continuavam
tremendo sem controle.
— Você voltou a morar no 2 de
Julho? – Netinho perguntou com interesse.
— Nãaao, tô com uma nega que
mora lá em cima...
— Ah, bom. E já se aposentou?
— Sim, este ano, graças a Deus.
E Você está nessa vida, hein amigo?
— Pois é, rapaz, agente tem de
se virar.... Olha, vou te dizer uma coisa: evite passar por estas bandas a esta
hora, está muito perigoso andar por aqui.
— Sim, vou seguir o seu
conselho. – disse Fefeu com um sorriso amarelo.
— Não vou levar nada seu, fique
tranquilo. – escondeu a faca.
Fefeu suspirou aliviado embora
suas pernas não parassem de tremer.
— Eu só vou te fazer um pedido
que você não negara ao amigo. – disse Netinho abrindo um sorriso sedutor. – Contribua
com a nossa caixinha de Natal.
Aquele inofensivo pedido soou como
um banho de água fria em Fefeu. Logo quando ele já achava que ia escapar ileso
daquela situação. Lembrou do menino abrindo um berreiro, a cara feia de Jandira
lhe recriminando e, o pior de tudo, o jejum a que seria submetido. Só tinha aquele
dinheiro. Entregou-o, a contragosto, ao amigo assaltante que ao ver a nota de cinquenta
sorriu satisfeito.
— Tu sempre generoso. – disse
ele. – Feliz Natal, amigo. Vá em paz.
Rio Vermelho, 24 de
dezembro de 2014.
3 comentários:
Muito bom e com poucos comentários.Apenas que, o interessante é que você traçou uma rota desconhecida da turma de hoje ,mas que traz muitas recordações para aqueles que conseguiram ultrapassar o prazo de validade e continuam teimando em viver. Para viver, e viver bem saudável, mentalmente, são necessárias boas recordações porque já não vale a pena fixar o olhar no futuro. Parabéns , Cristiano.Pena que boa parte do pessoal não conheça aquela área. Para quem não está por aqui e não conhece, direi apenas que é uma parte histórica da cidade que não deveria ter sido tão degradada. Eu me lembro que sempre pedia ao meu pai, quando íamos ao comércio: pai, vai pela ladeira do Mauá. Que lindas paisagens ! Elas ainda estão lá, mas, como o amigo do Fefeu disse, não é lugar que se possa transitar em segurança. Pena !
Cristiano, para quem conhece aquela área, como eu, a sua historia é muito boa.
Parabéns, um abraço, Paulo.
Hahaha muito boa Cris
H Fenocchio
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