segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Em Nome do Pai

Aqui perto de casa existia as ruínas do que outrora fora uma pracinha de bairro cujo tempo e falta de zelo encarregaram-se de torná-la esquecida e desprezada. Tomada pelo capim alto e sujeira, certo dia, um ex-morador das vizinhanças que foi trabalhar ao lado do prefeito, para provar o seu prestígio junto ao alcaide, conseguiu deste que reformasse a praça e a tornasse num espaço útil à comunidade. Bravo! Terminado os demorados serviços de reconstrução, este mandou colocar no centro da nova praça o busto de um homem de óculos pesados e olhar severo e batizou-a com o nome de seu saudoso pai, um ilustre desconhecido.
         Ora, quem de nós não gostaria de homenagear o próprio pai com um monumento em seu nome ou uma rua ou avenida? Sem querer desmerecer o genitor de alguém, não haveria praças, pontes, viadutos e logradouros públicos em quantidade suficiente para prestar tal distinção. Enfim, a praça ficou bela e aprazível. Além do insólito monumento, ganhou, também, bancos de madeira, escorregador, gangorra e balanço para as crianças. O busto do desconhecido até conferiu um certo charme ao local, que passou a ganhar vida com a frequência de moradores do bairro de dia e à noite.
         Talvez alguém, com inveja ou protesto por não ter conseguido, também, prestar um tributo ao próprio pai, colocando nem que fosse uma placa com o seu nome num dos bancos da praça, foi lá sorrateiramente e roubou os óculos do homenageado, dias depois da inauguração que foi uma festança com direito a acepipes, fanfarra e fogos de artifício.
         O ato de vandalismo foi repudiado por todos. Poxa a pracinha estava tão bonita, quem fez aquilo não gostava de ver a cidade arrumada. Mas o filho do ilustre desconhecido mostrou que tinha mesmo prestígio. Dias depois, o escultor autor do busto foi lá e pôs novo par de óculos no monumento.
         Ao todo, foram cinco vezes, ao longo de quatro anos, que fizeram sumir os óculos do rapaz. O vândalo era insistente em seu propósito e o filho do homenageado em sua determinação de ver o pai usando óculos, como se naquela altura da vida e em sua atual condição estática aqueles lhe fosse de alguma utilidade ótica.
         Certo dia, no entanto, anos depois, um renomado restaurador de monumentos com diploma em cursos na Europa apareceu na pracinha, contratado pela prefeitura para fazer uma limpeza no tal busto e colocar-lhe novo par de óculos. Ao ser arguido por um antigo morador do bairro, um idoso proveniente de algum fim-de-mundo na Itália que, sentado num banco, tomava o seu habitual banho de sol matinal, lhe respondeu que iria colocar, mais uma vez, os óculos na estátua. O italiano achando graça naquela novidade e veio com a seguinte brilhante ideia: “Por que você não coloca lentes de contato no ilustre? Ele vai parecer mais jovem e, por certo, vai ficar mais difícil de roubá-las.” O restaurador achou a sugestão uma piada, onde já se viu colocar lentes numa estátua. Entretanto, ao concluir o seu serviço ao cabo de dois dias de trabalho, o artesão rendeu-se a sabedoria do velho italiano e pôs no monumento, desta vez, um par de lentes de contato novinho em folha, as primeiras de que se tem notícia, usadas por uma estátua!

Rio Vermelho, 25 de agosto de 2013.

12 comentários:

Fátima Santiago disse...

Crônica saborosa. Gostei.

FLAMENCATROUBAR disse...

muito gostosa mesmo Cristiano, vê-se que estas em plena forma... ;-))

FLAMENCATROUBAR disse...

sou a gina da chapada!!! ;-))

Celeste Lelles disse...

Muito boa essa, tudo isso aqui... ao lado!!!

Anônimo disse...

Muito boa essa, e tudo isso aqui, ao nosso lado!!! Celeste vizinha

Anônimo disse...

Crônica gostosa de se ler. Engraçado que ao Lê-la, pensei: tira-se os óculos, a estátua fez cirurgia nos olhos e não precisa mais de óculos. Os tempos mudaram! RSSSS!
Fátima Falcão

Anônimo disse...

adorei!
Jaqueline Moreno Machado

Anônimo disse...

Cristiano, gostei dos acepipes estavam bonitos e gostosos.
Um abraço, Paulo.

Sarnelli disse...

Legal, Cristiano . Onde você foi arranjar esse italiano que veio do fim do mundo ? Muito criativo !

Anônimo disse...

Cristianooo..Não estou conseguindo postar. Terceira tentativa.Amei a crônica. Excelente! Parabéns pelo seu talento. Adalgisa Rolim.

PINO disse...

Pra variar, mais uma ótima crônica, com pesonagens que nos são próximos. Ainda bem que prá você não é uma grande "batalha" escrever.
Abraços d

Anônimo disse...

Love it! Bet that restorer was glad the old man didn't suggest LASIK for the bust! Thanks for sharing!
Eva Spanier