segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Iemanjá, o desenho da discórdia.


A Festa da Mãe d‘Água, este ano, foi dividida por culpa de um desenho de Iemanjá. Os ânimos se exaltaram, artistas opinaram, os promotores ficaram irredutíveis. O resultado foi lamentável: ninguém usará a tradicional camisa de Iemanjá em 97, como se faz todos os anos. Tudo começou quando Getúlio, dono da Ex-Tudo, procurou o famoso artista Floriano Teixeira e encomendou, em nome dos promotores da festa, um desenho de Iemanjá para ser reproduzido nas camisas vendidas e que sempre dão um bom lucro. Queria um artista famoso e ninguém melhor que Floriano que, além de tudo, é morador do Rio Vermelho.
Floriano aceitou a incumbência e fez uma Iemanjá que todos consideraram linda, sorridente, lábios muito vermelhos, escamas douradas, a imagem da alegria com sua festa. As camisas ficariam deslumbrantes e poderiam ser vendidas por preços maiores, graças a assinatura do artista de renome nacional. Vários artistas, como Calasans Neto, Carlos Bastos, James Amado, Tati Moreno, o próprio Getúlio, além de muitos outros, ficaram entusiasmados e aprovaram sem a menor restrição. Entretanto os pescadores do Rio Vermelho foram ver e vetaram a figura. Mostraram-se escandalizados, revoltados, Floriano tinha tido a audácia de pintar uma Iemanjá negra, embora muito bonita.
Mas tinha cabelos "rastafari", iguais aos de Carlinhos Brown, nariz achatado lembrando o de Margareth Menezes. Aquilo era um desaforo, Iemanjá tem cabelos louros, longos, olhos azuis, pele alva de sueca. Vetaram o desenho e proibiram sua reprodução nas camisas. Getúlio, que havia dado a encomenda, ficou sem saber o que fazer, os pescadores afirmaram que não permitiram que ninguém usasse aquilo, uma afronta a Iemanjá, que é branca. Calasans Neto chegou a sugerir que ouvissem a própria Iemanjá, estava certo que ela aprovaria o belo desenho de Floriano (foto), mas os promotores nem permitiram que se falasse mais no assunto, Iemanjá só branca, loura, olhos azuis.
Um grupo de turistas quis comprar o desenho e fazer camisas para seu grupo, mas os promotores da festa não permitiram.
Floriano Teixeira ainda tentou explicar aos promotores que a imagem da metade mulher metade peixe, de cabelos louros e longos, pele branca, é a da sereia nórdica, das lendas suecas. A nossa Iemanjá é uma entidade brasileira, morena, podendo ser negra, como nosso povo.
Os pescadores não concordaram. Afirmaram que só aceitariam a Mãe d‘Água branca e loura. Não houve solução.
Se os presentes deste ano forem recusados, todos sabem o motivo: Iemanjá queria o desenho lindo e verdadeiro de Floriano.

(Publicado no jornal A Tarde em 2 de fevereiro de 1997.)

4 comentários:

Maria João disse...

Que lindo, Cris. Eu lembro dessa história. Vc podia postar o desenho (coloca em baixa resolução)
Saudades de você meu amigo.
Beijos

Mary

Cristiano Teixeira disse...

Pedido atendido, Mary. Que saudades, também. Bjs

Maria João disse...

Lindo Cris: seu pai é o máximo. Sou fã desde pequenininha!

Sarnelli disse...

Taí...não sabia da estorinha , só que aconselho a não mexer mais nela, para que não haja uma reação. Embora ela esteja circulando no âmbito da internet, o pessoal pode armar aquela confusão... Acabei ficando para trás. Estou , pelo menos, uma historinha atrás de você...na verdade , já tinha ouvido um eco dela, mas não sabia de que lado chegava nem quanto tinha de verdade ...Agora sei ! Foi bom você ter relembrado o fato .