quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Uma tarde longe de casa.

Uma das vantagens de trabalhar em casa, é que você está, obviamente, em sua própria casa. Não precisa ir a canto algum. Não há trafego para enfrentar, e você ainda pode ficar mais tempo curtindo aquela gostosa preguiça matinal deitado, uma vez que seu local de trabalho está a poucos passos de sua cama! Por outro lado, um dos inconvenientes de trabalhar em casa é que você está em casa. Sempre aparece uma distração doméstica para lhe tirar do caminho. Como tudo na vida, trabalhar em casa tem os seus prós e os seus contras, mas, não se iluda, esta forma alternativa de trabalho lhe exigirá tanta ou mais disciplina e rotina quanto se você estivesse num local convencional de trabalho. Como eu careço de ambas, foi por isso que certa tarde resolvi mudar o meu gabinete de trabalho, sabe, o meu canto de escrever. Coloquei meu notebook numa sacola e fui buscar inspiração nos ares do Mcdonalds aqui do bairro, construído no terreno onde funcionou uma fábrica de papel. Da antiga fábrica, só restou a longa chaminé de tijolos e a lembrança de ouvir os seus longos e agudos apitos no inicio do turno da manhã, na hora do almoço e no final da tarde. Ao contrário da fábrica de papel, o Mcdonalds não apita coisa alguma, as coisas acontecem lá silenciosamente. Este episódio me fez lembrar uma professora da faculdade, escreveu um romance inteiro no mesmo Mcdonalds do Rio Vermelho. Pensei comigo mesmo, se ela conseguiu, eu posso tentar!

    Ao chegar à lanchonete, procurei uma mesa onde eu pudesse sentar de costas para a parede, pois isto não apenas evitaria o indesejável reflexo sobre a tela do computador, como também impediria os olhares de curiosos. Eu mesmo, vez por outra, caio na tentação de bisbilhotar, mas ao contrário dos bisbilhoteiros de plantão que o fazem com o único propósito de aprontar intrigas, eu escrevo uma crônica ou um conto, inspirado no apurado de minha bisbilhotice. Desta vez, fui ao Mcdonalds para escrever mais um capítulo do meu livro. Estou chegando ao fim e, por isso, estou num mato sem cachorro! Não é fácil terminar um livro, sabe, dar um sentido a todos os capítulos anteriores e ainda fazer com que aquilo pareça com um livro. Apesar de estar em terreno de um dos grandes símbolos do capitalismo moderno, no entanto, prometi a mim mesmo não gastar um único tostão por lá. Só queria usufruir de uma das mesas e do ar condicionado, que nestes dias de calor infernal, faz o lugar parecer um paraíso!

    Escolhi uma mesa que ficava ao lado de uma janela e que me deixaria de costas para a parede. Ao me acomodar, dei uma olhada em volta para fazer um reconhecimento do terreno. Fui logo surpreendido ao ver que na mesa em frente à minha estava uma famosa atriz de novela com o marido, também ator, e a filharada. Era hora do "Mclanche feliz" em família! Agi com naturalidade, desviando meu olhar imediatamente. Acho que as celebridades têm direito à vida privada e que não devemos ficar olhando para elas como se fossem bicho de zoológico. Além do mais, não sou tiete te estrelas, mesmo porque, muitas delas não são tão interessantes pessoalmente como imaginamos, como em algum papel cativante que já tenham vivido. Simplesmente, não espero encontrar nelas alguma semelhança com algum personagem que gostei. Embora eu tenha esta atitude, acho normal que pessoas fiquem curiosas e queiram dar uma olhadinha. Foi o que aconteceu. Vez por outra alguém saia de seu lugar e arranjava uma desculpa para passar em frente à mesa da estrela global, para certificar-se que era ela mesma, apesar de ela parecer mais baixa que na telinha e também um pouco mais velha. No entanto, uma senhora não se contentou em apenas olhar, resolvendo pedir ao casal global para tirar uma foto ao seu lado, o que foi aceito por eles, mas sem lhe demonstrar entusiasmo e lhe dar alguma atenção. A mulher sacou de sua bolsa o celular com câmera e posicionou-se entre os dois, mandou ver a foto e foi-se embora. Uma das vantagens das câmeras digitais, sem dúvida, é a possibilidade de ver a foto imediatamente depois de tirá-la. Pelo jeito, a senhora tiete não ficou satisfeita com o que viu, e voltou para tirar outra foto mais ao seu gosto. Se você considera que pedir para tirar uma foto, interrompendo aquele momento em família, já é ser inconveniente, imagine fazer isto cinco vezes seguidas, pois foi o que a velha fez, cada vez que verificou que a foto não ficara de seu agrado. Entretanto, o casal global pareceu já estar habituado com aquele tipo de abuso, tanto que não foram realmente simpáticos ou deram muita trela à fã. Apenas tire a sua foto e vá-se embora, devem ter pensado todas as vezes.

    Duas mesas ao lado da minha havia outro casal. O homem era um pouco mais velho que a moça, mas não o bastante para ser seu pai. Estavam sentados um de frente para o outro. A moça tinha o olhar triste e evitava olhá-lo nos olhos. O homem tinha a voz um pouco irritada e tentava se explicar à moça. Ele dizia que não parava de pensar nela e que a levava muito a sério. Ela falava muito baixo e não pude escutá-la. Pensei em pedir-lhe para falar um pouco mais alto, mas tive receio de ser mal interpretado. Ele contava para ela que até tinha comprado duas passagens aéreas e feito reserva em um hotel bacana, para passarem o ano novo juntos. Mas a esposa dele tinha atrapalhado tudo. Malditas sejam estas esposas, sempre se metendo onde não são chamadas. Ele prometeu à moça compensá-la de algum modo. Quem sabe ele a levaria às compras no shopping e a deixasse extravasar aquele sentimento de revolta, comprando o que ela quisesse com o seu cartão corporativo, imagino que ele seja um respeitável alto funcionário federal e um feliz guardião de uma dessas maravilhas. Certa vez, ouvi da boca de uma mulher que uma ida às compras tem o poder de curar qualquer coração feminino magoado. Ela fez aquele olhar de vítima. Os dois se levantaram, ele segurou a mão da moça e caminharam juntos em direção à posta de saída.

    Em outra mesa próxima, percebi que havia um garoto aparentando ter não mais que 18 primaveras. Ele usava um boné cobrindo o cabelo curto e parecia ansioso esperando por alguém. Volta e meia um daqueles adolescentes uniformizados que trabalham no Mcdonalds vinha com um pano de limpeza passando sobre as mesas ou com um esfregão limpando o chão. Recolhiam bandejas com restos abandonados pelos clientes. Eu já havia percebido que o lugar era muito limpo, mas nunca tinha prestado atenção naquela turma. Como os garis que varrem diariamente as nossas ruas, eles são seres invisíveis que só damos a devida importância quando não fazem bem o seu serviço.

    Não demorou muito até que finalmente, como eu imaginava, a pessoa por quem o garoto de 18 anos tão ansiosamente esperava, chegasse. Era outro garoto, talvez um colega de escola que já não via desde o início das férias escolares. O aperto de mão caloroso seguido de um forte abraço foi inevitável. Percebi que as coisas tinham mudado muito desde os meus tempos de escola, porque, enquanto se abraçavam, um garoto beijou o cangote do outro. Em seguida, sentaram-se à mesa e conversaram de mãos dadas. Acho que foram raras as vezes que apertei a mão de um colega de escola, e precisava haver um motivo muito especial para aquilo. Mas isto foi no século passado.

    Não pensem que não fiz outra coisa além de xeretar a vida alheia. Consegui terminar mais um capítulo de meu livro e fiquei imaginando se valeria apena escrever sobre aquela tarde no Mcdonalds. Achei que seria uma boa idéia e que provavelmente eu deveria voltar lá para fazer aquilo. Não gastei um só tostão por lá, como prometera, e ainda tive acesso grátis à internet, com a nota de compra que pedi à Adriana Estevez! Sou um cara ousado.

Rio Vermelho, 19 de janeiro de 2010.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Esta não é a minha praia.

Início de ano é sempre aquela coisa meio arrastada, embalada na preguiça que vem com o sol ardente e a quentura do verão. Não dá para resistir a uma ida até a praia e ao mergulho na água fria. Este clima assim de veraneio e prazeres faz até eu me sentir culpado de estar feliz enquanto o sul do país se afunda numa tragédia de água das chuvas e lama, levando na enxurrada a dignidade e o sonho de muita gente boa e honesta. Entra ano e sai ano, e parece que nunca estamos prevenidos contra as forças da natureza e, muito menos, prontos para resistir a elas. O negócio é que, para o político malandro – e político é sinônimo de malandragem - é mais rentável eleitoreiramente aparecer de salvador da pátria em dia de tragédia, do que tomar medidas impopulares para preveni-las em dias de sol. Mas o fato é que no dia 31, convidei uma querida amiga da Federação para vir conhecer a nossa praia da Paciência aqui no Rio Vermelho. Ela queria ir um lugar calmo e com pouca gente, o que é quase uma raridade nesta época do ano em Salvador. Mas acontece que a Paciência é uma pequena enseada desprezada pelos milhares de passantes na avenida que a margeia lá em cima da balaustrada. E espero que continue assim porque a Paciência tem uma grande virtude, ela uma ótima praia. Apesar de estreita, ela tem uma larga extensão de areia que começa rente à murada que a separa do asfalto lá em cima até a beirada da água. As pedras ficam apenas nas duas extremidades de cada lado da praia, deixando todo o resto livre para o banho e as largas braçadas em sua água cristalina e de ondas tranqüilas no verão. Apenas os moradores do bairro a freqüentam e talvez alguns gatos pingados de outras paragens. Há apenas uma única barraca com poucas cadeiras que fica próxima à murada e longe dos olhares dos banhistas, e que não causa nenhum inconveniente. Tenho ido lá quase todos os dias no final da tarde, voltando de minha caminhada até a Ondina. Assisto o por do sol da água enquanto me refresco. Não minto quando digo que na maioria das vezes, sou o único banhista a estar lá àquela hora.

    Acostumei-me a freqüentar praias vazias, e quando digo vazias, quero dizer com pouca gente. Não sou uma pessoa anti-social, só não gosto da idéia de ter de disputar espaço para por uma toalha sobre a areia ou, pior ainda, descobrir que situação semelhante acontece também na água. Recentemente, recebi um e-mail de um amigo com uma série de fotos de uma cena praiana. A primeira foto, vista do alto, era um 'close' de um pequeno grupo de pessoas na água se banhando. A foto seguinte, mostrava a mesma cena ampliada, revelando que aquele grupo não era assim tão pequeno como era mostrado na primeira foto. Havia mais gente na água. A seqüência de fotos seguinte mostrava uma cena medonha, uma verdadeira multidão de milhares de pessoas ao longo de uma praia em algum lugar da na China, um verdadeiro formigueiro humano de banhistas. Na areia da praia, a cena se repetia, era uma invasão de guarda-sóis coloridos formando um manto sem fim. Nunca tinha visto nada igual e espero jamais ver pessoalmente, uma praia com mais gente que areia está fora da minha programação. Nunca ponho os pés lá.

    No segundo dia do ano, depois que uma chuva grossa lavou de vez os resquícios do ano velho, e o sol abriu por entre as nuvens como uma promessa de um resto de dia esplendoroso, aceitei de um amigo o convite para irmos à praia. Ele queria ir à barraca do Luciano em Piatã, fora de meu território, mas como estou sempre curioso por novidades, topei o convite. Luciano é um barraqueiro um tanto folclórico, gosta de circular por entre as mesas dos clientes distribuindo simpatia, usando na cabeça um chapéu Panamá, óculos escuros e um charuto entre os dedos, como um verdadeiro anfitrião recebendo amigos em sua casa. Rumamos para lá de carro. Ao estacionarmos, percebemos que a barraca ainda estava em recesso natalino, não havia lá vivalma. Para não perdemos a viagem, seguimos pela orla como dois navegadores desbravadores à procura de um porto seguro. Terminamos aportando na barraca que é a sensação deste verão. Seu luxo e inovações nem de longe lembra as simplórias barracas que são apenas um local para servir de apoio ao banhista, servindo bebida gelada e petiscos a preços exorbitantes. Além da tradicional cervejinha gelada, o cliente mais exigente pode tomar champanhe francês ou comer petiscos finos ou até mesmo tomar uma massagem, ou deitar ao sol numa espreguiçadeira sobre almofadas fofas com estampas alegres. Como era de se imaginar, o local estava apinhado de gente, tanto na dita barraca como na areia da praia e no mar, e como me pareceu ser o cartão de visitas da casa, o serviço era coisa de Bahia, péssimo! Gravei na mente o nome do lugar e prometi a mim mesmo nunca mais voltar lá. Ou melhor dizendo, com uma praia em meu bairro que é um paraíso, por que é que eu fui me meter na praia alheia?

Rio Vermelho, 10 de janeiro de 2010.