segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Esta não é a minha praia.

Início de ano é sempre aquela coisa meio arrastada, embalada na preguiça que vem com o sol ardente e a quentura do verão. Não dá para resistir a uma ida até a praia e ao mergulho na água fria. Este clima assim de veraneio e prazeres faz até eu me sentir culpado de estar feliz enquanto o sul do país se afunda numa tragédia de água das chuvas e lama, levando na enxurrada a dignidade e o sonho de muita gente boa e honesta. Entra ano e sai ano, e parece que nunca estamos prevenidos contra as forças da natureza e, muito menos, prontos para resistir a elas. O negócio é que, para o político malandro – e político é sinônimo de malandragem - é mais rentável eleitoreiramente aparecer de salvador da pátria em dia de tragédia, do que tomar medidas impopulares para preveni-las em dias de sol. Mas o fato é que no dia 31, convidei uma querida amiga da Federação para vir conhecer a nossa praia da Paciência aqui no Rio Vermelho. Ela queria ir um lugar calmo e com pouca gente, o que é quase uma raridade nesta época do ano em Salvador. Mas acontece que a Paciência é uma pequena enseada desprezada pelos milhares de passantes na avenida que a margeia lá em cima da balaustrada. E espero que continue assim porque a Paciência tem uma grande virtude, ela uma ótima praia. Apesar de estreita, ela tem uma larga extensão de areia que começa rente à murada que a separa do asfalto lá em cima até a beirada da água. As pedras ficam apenas nas duas extremidades de cada lado da praia, deixando todo o resto livre para o banho e as largas braçadas em sua água cristalina e de ondas tranqüilas no verão. Apenas os moradores do bairro a freqüentam e talvez alguns gatos pingados de outras paragens. Há apenas uma única barraca com poucas cadeiras que fica próxima à murada e longe dos olhares dos banhistas, e que não causa nenhum inconveniente. Tenho ido lá quase todos os dias no final da tarde, voltando de minha caminhada até a Ondina. Assisto o por do sol da água enquanto me refresco. Não minto quando digo que na maioria das vezes, sou o único banhista a estar lá àquela hora.

    Acostumei-me a freqüentar praias vazias, e quando digo vazias, quero dizer com pouca gente. Não sou uma pessoa anti-social, só não gosto da idéia de ter de disputar espaço para por uma toalha sobre a areia ou, pior ainda, descobrir que situação semelhante acontece também na água. Recentemente, recebi um e-mail de um amigo com uma série de fotos de uma cena praiana. A primeira foto, vista do alto, era um 'close' de um pequeno grupo de pessoas na água se banhando. A foto seguinte, mostrava a mesma cena ampliada, revelando que aquele grupo não era assim tão pequeno como era mostrado na primeira foto. Havia mais gente na água. A seqüência de fotos seguinte mostrava uma cena medonha, uma verdadeira multidão de milhares de pessoas ao longo de uma praia em algum lugar da na China, um verdadeiro formigueiro humano de banhistas. Na areia da praia, a cena se repetia, era uma invasão de guarda-sóis coloridos formando um manto sem fim. Nunca tinha visto nada igual e espero jamais ver pessoalmente, uma praia com mais gente que areia está fora da minha programação. Nunca ponho os pés lá.

    No segundo dia do ano, depois que uma chuva grossa lavou de vez os resquícios do ano velho, e o sol abriu por entre as nuvens como uma promessa de um resto de dia esplendoroso, aceitei de um amigo o convite para irmos à praia. Ele queria ir à barraca do Luciano em Piatã, fora de meu território, mas como estou sempre curioso por novidades, topei o convite. Luciano é um barraqueiro um tanto folclórico, gosta de circular por entre as mesas dos clientes distribuindo simpatia, usando na cabeça um chapéu Panamá, óculos escuros e um charuto entre os dedos, como um verdadeiro anfitrião recebendo amigos em sua casa. Rumamos para lá de carro. Ao estacionarmos, percebemos que a barraca ainda estava em recesso natalino, não havia lá vivalma. Para não perdemos a viagem, seguimos pela orla como dois navegadores desbravadores à procura de um porto seguro. Terminamos aportando na barraca que é a sensação deste verão. Seu luxo e inovações nem de longe lembra as simplórias barracas que são apenas um local para servir de apoio ao banhista, servindo bebida gelada e petiscos a preços exorbitantes. Além da tradicional cervejinha gelada, o cliente mais exigente pode tomar champanhe francês ou comer petiscos finos ou até mesmo tomar uma massagem, ou deitar ao sol numa espreguiçadeira sobre almofadas fofas com estampas alegres. Como era de se imaginar, o local estava apinhado de gente, tanto na dita barraca como na areia da praia e no mar, e como me pareceu ser o cartão de visitas da casa, o serviço era coisa de Bahia, péssimo! Gravei na mente o nome do lugar e prometi a mim mesmo nunca mais voltar lá. Ou melhor dizendo, com uma praia em meu bairro que é um paraíso, por que é que eu fui me meter na praia alheia?

Rio Vermelho, 10 de janeiro de 2010.

3 comentários:

Ana Martha Falzoni disse...

Boa, Cris,. Também prefiro as praias mais tranquilas. Ninguém merece ser disputado pelos comerciantes, como acontece no porto da Barra. É um tal de oferecer guarda-sol, cadeira, queijo coalho, acarajé... Mas com essa propaganda toda que você fez, a paciência vai virar point, hein?

Celeste disse...

...é Cristiano ,mas "todomundo" tambem tem direito de se divertir...rs
celeste

Hellio Campos - Mestre Xaréu disse...

Cristiano tenho muitos anos que não freqüento a Praia da Paciência que outrora foi meu quintal preferido. Lá jogava bola, empinava arraia, pescava, pegava sangrinho, surfava as ondas no barco Pinquim, paquerava, encontrava amigos e principalmente tomava homéricos banhos de mar com direito a belas braçadas até o tabuleiro. Gostei muito do seu texto, ele é na verdade um convite especial a um programa inusitado de bom gosto e sabedoria. Parabéns.