O Sr. Aurelino era conhecido pelo
seu crônico mau humor e por sua falta de cortesia ao tratar os que entravam em
sua mercearia. E esbouçar um sorriso aos que ele atendia ao balcão, isto,
então, nem se fala. Resmungava ao respondê-los, às vezes tinha de repetir para
ser entendido. Apesar deste seu azedume, a freguesia não deixava de ir comprar
em sua loja, não porque os seus preços compensassem o tratamento rude, mas
porque esta era a única das redondezas.
Nas últimas duas semanas,
entretanto, algo inédito acontecia naquela sombria loja, motivando comentários impressionados
e maldosos de sua fiel clientela. Ao entrar na mercearia de seu Aurelino, o
freguês era saudado com um largo sorriso do proprietário e tratamentos corteses
de “bom dia!” e “como tem passado?”.
Uns achavam que ele finalmente
houvesse tomado vergonha na cara e frequentado um curso de boas maneiras para tratar
o cliente. Outros comentavam que talvez ele estivesse tomando um desses
remédios modernos que mudam a personalidade da pessoa e que fazem elas ficarem
alegres o dia todo. Outros apostavam que ele tinha ganhado uma bela de uma herança.
Ou que aquele seu repentino estado de bom humor era o resultado de ele ter
batido com a cabeça numa queda. Mas nenhuma daquelas especulações explicava
realmente o motivo da mudança de comportamento de seu Aurelino e nem por isso
as pessoas deixavam de comentar e de fazer suposições, o que, aliás, é próprio
do gênero humano.
Imaginem, o seu Aureliano agora
ouvia música no rádio, assobiava, até cantarolava! A loja estava mais arrumada.
Saltava aos olhos que o chão tinha sido lavado, as mercadorias espanadas e colocadas
ordenadamente nas prateleiras. As teias de ranhas nos cantos tinham sumido
finalmente. Talvez alguém tivesse encomendado um despacho para que ele se
transformasse num cidadão simpático. E o feitiço tinha dado certo! Fosse o que
fosse, todos estavam satisfeitos com tal mudança e felizes por saber que algo
de bom estava provavelmente acontecendo em sua vida.
Certo dia, um velho veio até a loja.
Depois dos tratamentos cordiais que agora o comerciante dispensava à freguesia,
ele abriu a gaveta por trás do balcão para guardar o dinheiro e de lá tirou um pequeno
objeto.
— Tome aqui uma bala para adoçar
o seu dia. – ele disse ao tirar um comprimido da cartela em sua mão e
passando-o ao freguês. Acrescentou: – Eu tomo um desses todos os dias e não
falha nunca!
O velho retribuiu a gentileza
com um sorriso de felicidade, parecia uma criança que tinha acabado de ganhar
um doce. Ele jamais tinha visto um daqueles antes, mas certamente já ouvira
falar dos poderes milagrosos do Viagra!
Rio Vermelho, 1 de
janeiro de 2015.
4 comentários:
O final me decepcionou... esperava que a "bala" não fosse Viagra ou Extase... Esperava que a bala fosse alguma daquelas da infância... que não se encontram mais!Bala de coco, alferes, canudinho de coco... "homenzinhos coloridos"... até "dimbinho" e "zorro"... mais recentes... Mas valeu pelo texto... sempre lindo e com vontade de ler mais! FELIZ 2015! E que continue "cronicando" e compartilhando!
Cris, a leitura , até que mantém o leitor interessado no final. Eu conhecia uma história de uma senhora que vivia sempre alegre e disposta e que dava conta da casa, fazia tudo, uma maravilha! Uma senhora de idade. Ninguém sabia como e porque aquela senhora tinha tanta saúde, disposição energia para realizar todo os trabalho do dia, sozinha e terminar o dia inteirinha. Um dia, o segredo foi descoberto quando alguém lhe perguntou o porquê daquilo tudo. Ela então disse ingênuamente, que havia encontrado um matinho no quintal e que todos os dias tomava um chazinho pela manhã... Quando foram ver o tal do matinho, descobriram que o tal do matinho era canabis. Um chazinho leve pela manhã fazia um bem extraordinário. Eu pensei que o Sr. Aurelino andava tomando chazinho de maconha ! Você me enganou !
Cristiano,
Gostei muito do seu estilo, excelente narrativa.
Um feliz ano novo, de muita criatividade e inovação.
Abs,
Atenciosamente,
Moisés Dantas
Olá Cristiano!
Sempre bem humorado e com a criatividade a toda prova!
Um 2015 maravilhoso, com saúde, paz e muitos e muitos "causos" criativos!
Um forte abraço
Arlene Barreto
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