Outro dia encontrei um querido amigo e vizinho do bairro ao voltar do meu mergulho diário de meia hora na praia da Paciência. Este é um pequeno hábito que cultivo há meses. O mar estava calmo e límpido, parecia o mar azul do Caribe. Cancun fica aqui no Rio Vermelho! Meu amigo Bartolomeu estava sentado na balaustrada admirando os barcos bailando ao sabor das ondas da enseada de Santana, tendo ao fundo um imenso horizonte azul manchado de branco. Fazia isto brincando com o costumeiro palito de dente no canto da boca. Quando ele se encontra neste estado contemplativo, é porque está matutando alguma coisa. Seus pensamentos estavam envolvidos com uma questão filosófica sobre o tempo. Não é nenhuma novidade que a simples contemplação do mar da Bahia é capaz de inspirar seu expectador pensamentos filosóficos e profundos. Meu amigo fora acometido deste arrebatamento. Neste caso, poderia ser mais uma questão física também, pois o seu questionamento era sobre como as pessoas hoje em dia se preocupam em ganhar tempo. E para poupar tanto tempo, procuram fazer as coisas com mais rapidez. Estão sempre apressadas para ganhar mais tempo. Se lhes sobrassem realmente mais tempo, poderiam estar ali sentados ao seu lado admirando a beleza do mar, filosofou. Mas por que tanta pressa, ele se perguntava. Onde as pessoas pretendem chegar? E o que fazem com o tempo que lhes sobra? Se é que lhes sobra algum realmente. Ele é uma pessoa que viveu mais de setenta anos – e espero que viva por mais setenta! - e do alto de sua experiência e conhecimento, percebeu que em sua juventude ele já correu muito e no final chegou ao mesmo lugar onde está hoje. Correr tanto não lhe fez nenhuma diferença, pois não ficou mais jovem ou vai viver mais por causa disto, e nem ficou mais sábio do que os seus cabelos brancos sugerem. E nem mais rico ou pobre. As pessoas simplesmente correm por que o sistema lhes incutiu na cabeça que estão perdendo tempo de algum modo. Como se o tempo fosse algum bem mensurável e tê-los a mais fosse fazer alguma diferença. Então, correm sem sentido e para o vazio. Perdem o tempo correndo para ter mais tempo.
Esta sua preocupação me faz pensar em muitas coisas sem sentido que fazemos pela vida e nem nunca nos damos conta disso. Lembrei de um filme clássico. Um homem vagando pelo centro da cidade grande, perdido na noite, entrou casualmente num inferninho onde pessoas se amontoavam para ouvir uma banda de rock no palco adiante. Ao final da música, a platéia ovacionou o guitarrista que, ensandecido, tirou o instrumento do ombro e o destruiu batendo-o violentamente contra o piso. Apesar de quebrada em pedaços, cada parte da guitarra continuava presa à outra pelas cordas. Em seguida, jogou-a sobre o público delirante, que passou a se digladiar para possuir aqueles destroços como se fossem eles algum tipo de troféu. O tal homem que acabara de chegar ao lugar também entrara na briga, arrebatando os restos de guitarra das mãos de um fã e, em seguida, fugindo do local correndo pela rua com uma pequena multidão ao seu encalço querendo arrebatar-lhe o dito troféu. Depois de alguns quarteirões, as pessoas desistiram da perseguição. Ele se vê sozinho novamente. Mais adiante, ele passa por uma lata de lixo onde deposita os restos da guitarra. Ela não lhe servia mais de nada. Perdera sua importância e se tornara lixo. Esta busca incessante por ganhar tempo, como a disputa pelo troféu, se igualam pelo vazio de sentido. O barato está no processo para se consegui-lo, sem se pensar mais profundamente no seu significado e em sua utilidade. Evoluímos muito como seres humanos e, no final, nos tornamos seres autômatos.
Certa vez, eu ficara mais tarde no escritório para adiantar o serviço. O segurança do prédio, em vistoria pelo andar, me descobriu enfurnado em minha sala atrapalhado em meio á papelada.
- O que faz o senhor aqui ainda a esta hora? – perguntou surpreso.
- Estou pondo em dia o serviço atrasado. – respondi sem lhe dar muita confiança.
- O expediente já terminou. O senhor já está fazendo o trabalho de amanhã. Vá para casa – aconselhou o vigia.
Rio Vermelho, 10 de abril de 2009.