quinta-feira, 26 de novembro de 2009

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Estórias para quem tem pouco tempo.

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Valeu!

O observador da esquina.

Minhas freqüentes idas à mercearia deveriam contar como exercício físico, pois, vou a pé e volto carregando algum peso, embora insignificante. Quem sabe já nas Olimpíadas de 2016 a 'ida ao mercado com retorno pesado' já estará incluída entre as modalidades esportivas, e eu não estarei fazendo parte da equipe brasileira? Mesmo uma simples e trivial ida ao armazém pode se tornar numa experiência interessante, se levarmos em consideração o que vamos encontrado pelo caminho, e não é pouca coisa. Aqui no Rio Vermelho, há personagens curiosos que desafiam a nossa imaginação. Um deles, entretanto, tem chamado a minha atenção e curiosidade nos últimos anos. Trata-se de um rapaz saudável e bem apessoado e que tem por hábito sentar-se na murada do canteiro de plantas de uma esquina da Oswaldo Cruz, caminho para as minhas compras. Esta é uma das ruas mais movimentadas do Rio Vermelho, caminho obrigatório de milhares de automóveis e ônibus que vem de outros bairros ao longo das praias em direção ao centro. E se é tão movimentada, imagine como também é barulhenta. Não deixa de ser um local inusitado como a escolha para passar o tempo, levando-se em consideração as belas praias que existem por aqui, e que, certamente, merecem contemplação, embora eu concorde que gosto seja uma escolha pessoal. Fico imaginando o que haveria de tão bom em sentar-se ao sol numa esquina movimentada vendo os carros passarem. Talvez o rapaz seja um expert em transito e esteja estudando uma forma de desatar o nó que se transformou o Rio Vermelho. Ou quem sabe ele considere um tédio sentar-se na areia da praia e ficar olhando para o horizonte sem que nada de incomum aconteça. Não o culpo, também considero sacal passar mais que cinco minutos admirando mais esta Obra Divina. De qualquer forma, achei curioso aquele sujeito e seu hábito urbano. Pensei em aproximar-me para perguntar-lhe a razão de tanto interesse pelo movimento dos carros, mas temi que a resposta castrasse a minha imaginação, afinal o motivo poderia ser simples demais. Algo como preferir estar ali naquele lugar infernal ao invés de ficar em casa aborrecendo o juízo da patroa. Sempre que passo em direção ao mercado, lá está ele sentado na murada, solene em seu posto, na companhia de uma latinha de cerveja. Chamou-me a atenção que seu o cabelo está sempre aparado e aprumado. Veste-se como se estivesse em casa, porém com roupas sempre limpas.

    Imagino se meu amigo observador fica admirado pela grande variedade de modelos de automóveis que desfila pela sua esquina diariamente. Já deve até ter percebido que a cor preta é a preferida de quem possui um Celta e que os carros vermelhos são uma raridade. Os novíssimos em folha já ultrapassaram em número os calhambeques, uma constatação maliciosa de que o número de pessoas endividadas multiplicou. Qual será o destino daquelas pessoas, ele deve se perguntar com freqüência. Algumas delas já devem ser velhos conhecidos, das tantas vezes que se encontram naquele mesmo lugar quase todo santo dia. Outras aparecem de vez em quando, mas nunca deixam de dar uma passadinha pelo local. Elas também já o perceberam. Cada uma vai dirigindo seu próprio automóvel ou sendo conduzida por alguém. Os ônibus também passam, e lotados. É tanta gente espremida lá dentro que quem está do lado de fora nem consegue distinguir seus rostos, voltados para o que se passa do lado de fora. Vão a caminho do trabalho, da escola ou enfrentar qualquer interminável fila de serviço público. A esta altura, meu crítico observador já deve ter notado a discrepância que é a solidão dos mais afortunados, em seus luxuosos automóveis falando ao celular, enquanto dezenas de trabalhadores viajam confinados no transporte público minguado feito gado transportado. Será que eles são mesmo indiferentes aos que aguardam por uma condução de pé nos pontos de ônibus ao longo do caminho, ou apenas receiam a aproximação com estranhos?

Outros pedestres que passam por aquela rua com a mesma freqüência, também já se acostumaram com a presença do rapaz da esquina, e, também o cumprimentam com um 'bom dia' mas, como eu, não ousam perturbá-lo com nenhuma pergunta indiscreta sobre sua atividade observatória. A vida em grandes cidades pode ser vazia e solitária, mesmo para aqueles que busquem preenchê-la de modo nem sempre produtivo. O ócio é a ocupação dos gênios, penso eu. Nenhuma grande obra ou pensamento foi desenvolvido durante as atividades de alguém muito ocupado. Trata-se de uma lei natural das coisas, uma espécie de equilíbrio dentro do universo, enquanto alguns trabalham muito, outros se ocupam em ver passar o tempo.

Outro dia eu fui em minha peregrinação em direção ao mercado, quando deparei com meu personagem em seu habitual posto de observação. Fazia semanas que eu não fazia isto, e foi como encontrar um velho conhecido. Era uma tarde, o que justificava a sombra em seu local preferido. Desta vez ele não estava só. Sentada numa cadeira de armar de metal ao seu lado, estava uma empertigada senhora de idade. Não tive dúvidas que aquela era a sua mãe. Seus cabelos já eram brancos feito algodão, e o seu corpo magro e frágil lembrava uma porcelana fina. Como toda velhinha, ela estava arrumada e perfumada para um passeio. Ao contrário de seu filho sentado ao seu lado, que assistia vigilante o movimento da rua, seu olhar era indiferente e abandonado, alheio a tudo aquilo. Não havia movimento ou expressão em seu rosto, apenas aquele olhar triste e senil. Os dois não trocavam palavra que fosse, nem olhar ou gesto que indicasse algum tipo de interação social, embora um observador atento não deixasse de perceber o laço que unia mãe e filho naquele momento de ternura e solidariedade.

Rio Vermelho, 25 de novembro de 2009.