Em meus périplos pelo Rio Vermelho, a ida ao supermercado é um dos meus lugares preferidos. Tenho gostos estranhos, ir ao supermercado é um deles. Gosto de passear entre as gôndolas e ver as novidades. Até já desenvolvi algumas técnicas de como comprar. A primeira delas é nunca ir às compras de estomago vazio, do contrário, corre-se o risco de comprar demais, principalmente bobagens. O mesmo acontece se estiver aborrecido. Comprar mais, não vai resolver o problema. A menos que você aí leitora, seja uma esposa querendo se vingar do marido na conta do cartão de crédito! Ao colocar no carrinho produtos de validade curta, como pão de fôrma e ovos, sempre pegue o pacote do fundo da prateleira ou na prateleira debaixo, são os mais recentes. Fique atento às promoções, principalmente aquelas cujos preços são irresistíveis. Estas generosidades geralmente estão com os prazos de validade quase vencidos! Ao escolher entre marcas diferentes numa mesma gôndola, tenha em mente o seguinte: as mais baratas e pouco conhecidas ficam nas prateleiras lá de baixo, um ardil para aqueles não agüentam se flexionar de gôndola em gôndola. Os produtos com preços mais caros ou as promoções que o mercado quer que você leve, ficam colocados confortavelmente à altura de seus olhos e de suas mãos. E boas compras!
Depois de encher o carrinho, fui procurar uma fila pequena, o que não é lá uma tarefa assim tão fácil, não num sábado de manhã. Geralmente vou ao mercado às sextas pela tarde, mas, naquela semana, preferi ir ao cinema, para variar. — Recentemente adquiri o mau hábito de ir ao cinema no meio da tarde, o que me dá uma agradável sensação de estar desocupado. — Escolhi ficar logo atrás de uma senhora carregando apenas, além de sua bengala, uma cesta com um pacote de pão de forma, uma lata de leite em pó e um saco de alguma coisa. Eu era o terceiro da vez. Aquela velha bem poderia estar na fila especial para idosos, que apesar de parecer mais comprida, tinha a vantagem de ter um banco com cadeiras sobrando onde ela poderia esperar confortavelmente sentada e dar um descanso à sua bengala. Na verdade, eu queria mesmo era me livrar dela, ou melhor, que ela saísse de minha frente para eu fosse logo atendido. A parte que eu não gosto do mercado é justamente a fila, com suas caixas de olhar enfadonho, pondo à prova a minha paciência.
"A senhora não gostaria de ir para a fila dos idosos que é mais rápida e tem um banco pra sentar?" Perguntei. "Não" Respondeu com um sorriso doce. Talvez ela não se achasse tão idosa assim. Eu, pelo contrário, não me incomodaria nem um pouco de ir para a fila dos deficientes, já que ainda não sou idoso. Descobri outro dia que tenho deficiência de vitamina A. Suficiente para ir para a tal fila? Enquanto aguardava, peguei um exemplar da "Veja", a única revista que não é lacrada. Deve ser alguma cortesia do mercado para a clientela, nada como aproveitar para por os assuntos em dia, enquanto aguardo de pé na fila. Depois, é só devolve-la à prateleira onde estava!
Em menos tempo previsto, chegou, finalmente, a vez da velha. Digo, para ser atendida no caixa. A cena seguinte surpreendeu-me. O caixa, um rapaz jovem com um corte de cabelo estiloso, levantou-se de sua cadeira e abraçou a idosa carinhosamente por cima do balcão. A velha beijou-lhe no rosto e ele retribuiu-lhe o beijo com outro e os dois continuaram assim abraçados por tempo o suficiente para eu ficar enjoado. Alguém ai quer um abraço? Nem o Lula beijou e abraçou o Fidel Castro tanto, na ultima vez que esteve em Cuba! Estava explicada a sua preferência por aquela fila, ela queria dar um abraço no netinho, concluí.
Aquela lambança não parou por ali. Outras quatro velhinhas apareceram do nada, tagarelando feito matracas. Queriam dar um beijo e um abraço no rapaz. Não podiam deixar de ir ao mercado sem passar para dar um beijo no caixa mais querido delas. E tome-lhe beijos e abraços apertados e elogios açucarados. A velha e o caixa nem eram parentes, então. Fiquei ali na fila assistindo aquela cena inusitada, na qual as avós de alguém beijavam um neto que não as pertenciam. Imaginando a solidão que é envelhecer sem o afeto dos filhos e dos netos, e de como é triste ter de ir buscá-lo com estranhos num supermercado. Aquelas velhinhas são como milhares de tantas outras que dedicaram suas vidas às famílias, e, no final, carecem do afeto que dispensaram a elas.
Quando chegou a minha vez, foi tudo muito rápido, como geralmente acontece quando não estamos lá na fila observando e esperando ansiosos. Me senti rejeitado pelo caixa não ter vindo me dar os meus beijos e abraços. Quebrei o gelo dizendo, "Já sei. Mamãe passou açúcar em você quando bebê." Ele pareceu não ter gostado da piadinha, pois não esboçou sorriso algum. Ao contrário, olhou-me seriamente e respondeu. "Não é nada disso. Acontece que eu tenho sorte de encontrar pessoas maravilhosas na minha vida." Não quis levar o assunto adiante, sei que este meu jeito de levar tudo na piada pode ser engraçado para os que possuem um senso de humor refinado, mas soa como uma ofensa aos que carecem dele. Minha amiga Yara diz que tenho um humor mordaz, mas acho que ele não morde tanto assim não.
Eu sou um daqueles que vão ao mercado levando aquelas sacolas de pano, temos um monte delas aqui em casa. Acho que esta é a minha única contribuição ao meio ambiente. Ensacolei eu mesmo minhas compras, surpreso de estar pagando tanto para levar tão pouco. Toda semana gasto o mesmo valor no mercado e volto com as sacolas mais vazias. Ainda bem que não temos inflação! Paguei e depois disse sorridente ao caixa. "Não vai me dar meu beijo e abraço?" Estendi-lhe os braços.
Rio Vermelho, 21 de março de 2010.