quarta-feira, 1 de setembro de 2010

As coisas simples da vida ou uma manhã de sábado inusitada.

Aproveitei a bonita manhã de sábado e saí com destino à Perine da Vasco da Gama. A semana tinha sido uma daquelas de muitas chuvas e frio que faz baiano usar casaco de pele na Estação da Lapa e ir de bote para o trabalho. Ventou muito também, e o mar cinzento e revolto era um espetáculo à parte bonito de ser ver. Para quem nunca ouviu falar, a Perine é uma espécie de mercado chique onde a burguesia satisfaz a gula por produtos alimentícios importados ou iguarias de primeira qualidade. Encontra-se lá desde o melhor vinho francês ao simples pão feito de trigo de verdade, como não existe em nenhuma outra padaria de Salvador. O motivo de minha ida até esta Meca da gula foi o de comprar tâmaras secas que minha mãe tanto gosta, e como ela é uma octogenária muito querida, faço-lhe com prazer este pequeno mimo.

    Sempre que vou fazer compras na Perine tenho o cuidado de passar antes em sua lanchonete para comer um salgado, observando a orientação de experts em compras que nos aconselham a nunca ir ao mercado de estomago vazio, pois, do contrario, corre-se o sério risco de comprar coisas demais! E quando se trata da Perine, é sempre bom tomar cuidado redobrado! Mal sabe a direção da casa, no entanto, que aquela lanchonete está prejudicando o faturamento da loja! Depois da merenda, fui até a seção de bebidas procurar um bom licor para presentear uma querida amiga de infância que vai me receber em sua casa no Rio por alguns dias. Eu gosto muito de dar presentes, e muitas vezes sem motivo algum. Tem gente que acha estranho recebê-los fora de data comemorativa e veem nisso uma intenção oculta, algum tipo de conspiração! Depois de não encontrar o licor que eu queria, fui às tâmaras secas.

As tâmaras são um alimento completo, rico em vitaminas e proteínas vegetais que é cultivada em países da Ásia e África. Contam que Haile Selassie I, um antigo imperador etíope que viveu até os 83 anos, creditava à dieta de tâmaras com leite de leoa a razão de sua longevidade. E os colonizadores ingleses na Índia, ignoravam as qualidades alimentícias das tâmaras e, por isso, não sabiam que Gandhi enfrentava os seus famosos e longos jejuns contra o domínio do Império Britânico alimentando-se discretamente com duas tâmaras e um pouco de leite de cabra! Ao pedir por tâmaras à funcionaria, ela abriu um grande pote de acrílico onde elas eram acondicionadas e, com uma cara de nojo, disse: 'É só o que temos'. Olhei para dentro do pote e tudo que vi foi uma maçaroca de aspecto duvidoso que lembrava alguma coisa parecida com tâmaras. Fiquei desapontado que o meu motivo de minha ida à Perine parecia ter sido pisoteada por um trator. Fiz uma cara feia também e desisti delas. Para não perder a viagem, dei uma volta pela loja e passei diante de uma outra funcionária de pé ao lado de uma mesa com frios e outros quitutes oferecendo degustações. 'O senhor deseja provar a nova salsicha petisco da S.?' Perguntou educadamente. Aceitei com um largo sorriso, como algum tipo de compensação pelas tâmaras amassadas. Eu sempre me perguntei porque que nessas degustações de salgados eles nunca oferecem uma cerveja para acompanhar, sabe, para o consumidor ter uma ideia de como o produto cai bem com uma bebidinha.... 'Uma cervejinha importada?' Ofereceu a moça. 'E tem?' Perguntei levantando as sobrancelhas. Logo em seguida ela encheu um copo de vidro que me deu. Estava geladinha, era uma cerveja holandesa muito leve e saborosa. Comecei a ficar alegrinho. 'Quer provar um patêsinho?' 'Ô meu Deus...' Eu bem que queria comprar uns croissants, uns petit fours e umas frutas, mas depois daquela comilança não pude pensar em comprar mais nada! Fui embora de mãos vazias. Mas como eu estava decidido mesmo a não chegar em casa sem as tais tâmaras, rumei para a CEASA do Rio Vermelho, onde eu sabia que opções era o que não me faltariam.

    Ao pousar na CEASA, encarei uma multidão de clientes de fim de semana que só tem no sábado a oportunidade para fazer as compras da semana inteira. Era um burburinho de feira em volta das barracas abastecidas de frutas e verduras frescas acabadas de sair das hortas. Fui direto na Natureza, que é uma barraca que tem de tudo e de qualidade. Uma funcionária me ofereceu uma degustação de tomates secos ao que recusei. 'Não obrigado, mas aceito o numero de telefone daquela moça ali, se você tiver.' Disse-lhe admirando uma cliente muito linda que comprazia-se enfiando delicadamente na boquinha de vedete um bago de jaca dura. 'Isso eu não tenho, não senhor.' Respondeu a funcionaria com um sorriso maroto. Um rapaz de avental sorridente aproximou-se para me atender. Ao meu pedido, encheu pela metade um saco com tâmaras que deixavam a famosa Perine no chinelo. Estavam novinhas e soltas, provei uma para confirmar se estavam saborosas como eu imaginava, e realmente estavam uma delicia. Peguei uns sequilhos e figos cristalizado que aprecio muito. Em seguida, me dirigi à fila do caixa que, para o meu espanto, estava longa demais. Não gosto de filas de nenhum tipo, nem para receber ou dar dinheiro, e muito menos para conseguir uma mesa em restaurante. Acho que deveria ser o contrário, eles é que deveriam fazer fila para me servir! Como o mundo não é perfeito, fui resignado para o final da fila, aguardar feito um cordeiro pela minha vez. Mal cheguei carregando os meus embrulhos, um funcionário, um rapaz alto com uma touca no alto da cabeça, aproximou-se de mim gentilmente e pediu para calcular o total de minhas compras. Imaginei que isto era para facilitar o serviço do caixa que estava abafado com uma fila tão grande. Mas ao terminar de somar as coisas ele disse-me o valor e ficou parado ali ao meu lado como que esperando. 'Mais alguma coisa?' Perguntei. 'O dinheiro.' Respondeu. E eu que estava ali, o ultimo da fila e ia poder pagar minhas compras sem precisar esperar até chegar ao caixa! Pensei que havia algum engano, mas era isto mesmo confirmou o rapaz. Dei uma nota de vinte e fui embora sorrindo. Não precisei de muito para começar bem o dia!

    Antes do almoço, fui na casa do vizinho tomar a costumeira cerveja de sábado na companhia de amigos e falar mal do governo. Contei-lhes a minha ida à Perine e à CEASA e eles, invejosos, ralharam: 'Mas como tu mente, Cristiano!'

Rio Vermelho, 1º. de setembro de 2010.