sábado, 22 de janeiro de 2011

Uma certa cartomante

Quem fizer um passeio pelas ruas do Rio Vermelho num final de tarde de verão, quando o sol se torna uma imensa bola imaculada que projeta longas sombras, e o calor do dia se desvanece com a proximidade do crepúsculo, observará que os postes de luz servem tão somente para o propósito para o qual foram projetados como, também, para se afixar cartazes contendo informações sobre serviços de tudo quanto é tipo. Então, quem precisar de um encanador, eletricista ou de alguém para consertar o fogão, ou estiver procurando uma casa para alugar ou comprar, provavelmente encontrará informações úteis nesta mídia de classificados alternativa. Um destes serviços que mais me chamou atenção pela sua peculiaridade, no entanto, foi o de uma certa dona Odília que, além oferecer os serviços de “leitura das mão, búzius, tarô, ajuda a resolver briga de família, a conceguir emprego, trazer a peçoa amada de volta, aliviar a peçoa dos males da alma, a ter sorte, tirar unha encravada e conçerta espinhela caída”, faz um ataque terrorista à língua portuguesa.
Achei o anuncio uma preciosidade e confesso que este me deixou curioso, embora eu seja o tipo de pessoa que não acredita em coisa alguma, muito menos em mim mesmo. Mas acho interessante como as pessoas levam estas coisas a serio, mas nem por isso as censuro, pois entendo que cada um é livre para acreditar no que bem entender. Eu fico imaginando se uma pessoa decide ir a uma cartomante do mesmo modo que decide ver um médico para se curar de um mal de saúde, e se a consulta é tão dispendiosa quanto à de um profissional de saúde e se é possível incluí-la no plano de saúde ou abatê-la no imposto de renda.
O negócio de leitura de mãos, búzios e similares é um negócio que talvez não seja tão lucrativo quanto alguns imaginam, mas mesmo assim ele não para de crescer, num país místico como este aqui, no qual se acredita em tudo, inclusive em promessa de político. A concorrência é grande e como a profissão não é reconhecida pelas autoridades competentes e nem é preciso de um certificado ou licença especial para se atuar na área, bastando, para tanto, “possuir o dom”, então, a princípio, qualquer um pode montar a sua própria tenda em casa. Provavelmente a dona Odília sofreu com a concorrência ou o seu dom evaporou-se para a atmosfera, ou quem sabe a razão, que muitas vezes chega com o peso da idade, a fez perceber que já era hora agir honestamente com as pessoas. O fato é que vi surpreso dia desses, num cartaz colado num poste, que agora ela estava trabalhando como uma cabeleleira. Dona Odília agora “corta, fas iscova, aliza e tinge”. Duvido que este futuro ela não previu para ela.
No entanto, eu tenho notícia, através do meu amigo H.C., de que pelo menos uma vez o seu dom se manifestou certeiro feito um raio. O fato se deu quando Oswaldo Filho, que nunca teve respeito por nada sagrado e gostava de zombar de tudo, certo dia, entediado, resolveu ir à dona Odília tirar um sarro. Ao chegar ao endereço indicado, que era em sua própria casa onde ela atendia, percebeu que nada de incomum havia naquele pequeno apartamento de dois quartos e que este bem poderia ser a casa de uma tia sua ou avó. Sentou-se no pequeno sofá coberto com um plástico transparente e aguardou por sua anfitriã. Não demorou muito para que uma velha senhora de olhar doce viesse da cozinha com um avental amarrado na cintura, pois ela estava preparando o almoço, e nada de incomum Oswaldo, também, percebeu em sua aparência. Como vai, meu filho, ela disse com sua voz calma, em que posso lhe ser útil? Ela sentou-se na poltrona em frente a Oswaldo que foi direto ao assunto. Eu quero saber onde está meu pai, declarou preparando-se para debochar da resposta que a velha lhe daria. Depois de consultar a sua bola de cristal, ela respondeu-lhe segura. Seu pai está no bar de Nando, bebendo uma cervejinha. Ao ouvir a resposta, Oswaldo deu uma risada de escárnio. A senhora não sabe de nada mesmo, és uma completa fraude, ele disse. Meu pai morreu há mais de dez anos. Mas dona Odília retrucou na ponta da língua com toda sua candura, você está enganado, meu filho, quem morreu foi o marido de sua mãe!

Rio Vermelho, 21 de janeiro de 2011.

3 comentários:

bubbycosta disse...

que delícia de estória,
senti-me presente no Rio Vermelho e com saudades dos irmãos de coração...
aceite o abraço do amigo paulistano sobrevivente numa selva de concreto
Bubby Costa

Sarnelli disse...

Você começa importando de S.Paulo os comentários à sua historinha. Estarei de volta esta noite. Como sempre, não me surpreendeu e está deliciosa . É como costumo dizer : você consegue tirar água de pedra. No caso, uma histórinha leve e simpática, do nada ! É ... essa historinha de D.Odilia já foi objeto de postagem , porém de crítica, e não de uma histórinha deliciosa como essa ; Você tem geito ( epa ! ), Cristiano ! E se a D.Odilia tiver razão ? Então, no bar inativo do Nando , tem um espírito à procura de uma birita ...

O Procurador de Sensações disse...

adorei