Numa recente ensolarada manhã, cá estava eu pensando sobre alguma estória para uma nova crônica, como sempre faço semanalmente porque escrever é um exercício contínuo e, embora eu já tenha escrito mais de 80 delas, eu as considero como um texto único no qual vou revelando o meu cotidiano tal qual um alfaiate desenrola lentamente a peça de tecido sentindo a maciez de sua trama ao afagá-lo com a palma da mão e imaginado se dali surgirá um blazer ou uma calça. Fiquei refletindo se escreveria desta vez sobre minha triunfal caçada aos sanguinários javalis selvagens no vale da Cananéia com um potente rifle de derrubar leão, ou da vez que pulei do Machu Picchu de asa delta, ou fiz rapel na cachoeira da Garganta do Diabo ou amor com uma belíssima norueguesa sobre as mornas areias do mar Egeu, tendo a lua como testemunha. Meus devaneios foram subitamente interrompidos com o apitar na máquina de lavar roupa avisando-me que o serviço já tinha terminado e que eu já podia pendurar a roupa limpa no varal, e isto foi quando retornei ao planeta terra.
Uma querida amiga ficou encantada ao saber que lavo minhas próprias roupas e achou isso “bonitinho”, depois completou dizendo que era uma atitude nobre de minha parte. E eu que sempre pensei que atitude nobre fosse algo como reconhecer a paternidade de um filho bastardo ou renunciar ao cargo de Ministro de Estado depois uma intensa saraivada de denuncias de corrupção e gatunagem de dinheiro público. “O Excelentíssimo Senhor Ministro teve o nobre gesto de renunciar ao cargo depois de uma campanha difamatória e infundada sobre a sua ilibada conduta frente ao cofre da viúva.” Mas ela tem razão ao dizer que o homem que lava a própria roupa demonstra um gesto de humildade. Não há nada de errado em um homem lavar as suas roupas, ou pratos ou cozinhar, até porque agora chamam a isto de homem moderno. Então eu sou moderno, mas não moderninho. Se eu fosse casar com uma mulher para ter quem lavasse e cozinhasse para mim, eu certamente daria preferência à nossa atual empregada doméstica, pois assim me pouparia de lhe pagar salário e encargos sociais.
Não é raro idealizarmos pessoas que admiramos. Mais comum ainda é as imaginarmos fazendo sempre coisas divertidas, como se a vida delas fosse uma festa e dificilmente a concebemos, por exemplo, lavando o banheiro de sua casa ou enfrentando a fila do banco para pagar contas. Certa vez eu tive uma amiga muito bela e a quem não lhe faltavam convites para baladas incríveis, altas festinhas particulares, jantares nos lugares da moda, passeios maravilhosos e noitadas extenuantes nos motéis mais requintados. Eu ficava imaginando como deveria bom ser ela com tanta farra e admiradores, até um certo dia em que a flagrei em sua casa, de touca de meia na cabeça, metida num shortinho apertado com a vassoura na mão varrendo o piso da cozinha enquanto ouvia pelo rádio e cantava a plenos pulmões o Reginaldo Rossi tão feliz quanto pinto na lixeira. Desde então, passei a olhá-la de modo mais mundano.
No meu caso, eu lavo a minha própria roupa na máquina e interrompo o meu trabalho de escrever para estendê-la. Tive amigo adulto que não fazia ideia onde se encontrava um garfo na cozinha de sua própria casa ou que a mãe, quando ainda solteiro, lhe fazia o prato à mesa e seguia atrás dele arrumado a bagunça que ele ia deixando no caminho pela casa. Fico imaginando como ele estará agora e se a esposa conseguiu reeducá-lo ou se ela teve o mesmo triste fim de sua sogra. Sim eu lavo as minhas próprias roupas, é a nobreza do cotidiano, apesar de que um dia já as joguei no cesto imundas e elas, inexplicavelmente, voltaram milagrosamente para a minha gaveta lavadas, dobradas e cheirosas. Fala-se tanto em igualdade entre os sexos como igualdades de oportunidades de emprego, salários iguais para as mesmas funções e coisas assim. É muito bonito tudo isto, mas acho que tais práticas devem começar dentro de casa.
Rio Vermelho, 18 de agosto de 2011.