Houve um tempo, não
muito distante, em que o professor era tratado respeitosamente por seus discípulos
por “senhor” – ou por “senhora” –, e acatávamos em silêncio a sábia reprimenda,
estava no seu direito como educador, pois fazia parte de sua missão moldar a
nossa formação. Não havia coisas como detector de metais no portão da escola e
nem catracas que liberavam a nossa entrada mediante a verificação, através de um
cartão de plástico com um chip, se a mensalidade já tinha sido depositada na
conta bancária do dono do estabelecimento. Educação, então, era uma vocação, e
não um comércio praticado por um dono de colégio semianalfabeto.
A
diretora da escola onde estudei era uma espécie de santa viva e nascera para
educar. Seu nome era majestoso como o de uma rainha, Maria Helena Neves da
Rocha. Guardava na memória – não a do computador – o nome e sobrenome de seus quase
dois mil alunos, assim como os de seus pais, e fazia ela mesma questão de
entregar-nos pessoalmente os boletins, indo de sala em sala. Quando as notas eram
ótimas, ela nos parabenizava pelo esforço, mas quando estas não eram lá aquelas
maravilhas, não tinha nenhum pudor em dizer “suas notas estão medíocres, estude
mais da próxima vez!” Ouvi isto uma única vez e quase morri de vergonha, nunca
mais deixei que isto acontecesse. Dona Maria Helena era por todos nós
respeitada e jamais elevava o tom de sua voz ou nos fazia ameaças, sabia falar
com doçura com os estudantes, e por isso a admirávamos. O pai – ou mãe – ao
assinar o boletim escolar aborrecia-se ao ver as notas baixas e esfregava-o na
cara do filho, “Tá bonito isso?” Aluno era tratado como aluno e ponto final.
Hoje em dia, não existem mais alunos,
são todos clientes, e, como tal, vale sempre aquela máxima que diz que “todo
cliente sempre tem razão”. O pai, quando recebe, por e-mail, o boletim do
menino com notas vergonhosas, imprime-o e vai até a escola para esfregá-lo na
cara do coitado do professor como se fosse responsabilidade deste fazer o filho
aprender, “Tá bonito isso?” Por estas e por outras que professor vive com os
nervos à flor da pele, aplacando o estresse à custa de tranquilizantes que mal
pode comprá-los. Nem político safado e ladrão é vítima de tanto abuso verbal e
psicológico como um professor na sala de aula hoje em dia e, no entanto, há
pais que não deixam de falar em se construir um mundo melhor para os filhos,
quando estes mal sabem que jamais haverá um mundo melhor se eles não criarem e
educarem os seus para serem cidadãos dignos de viver neste mundo.
A mãe insatisfeita com as fracas notas
do filho foi tomar satisfação com a coordenadora e a encontrou em sua sala
apertada com uma mesinha apenas e duas cadeiras para os visitantes. As paredes
eram decoradas com fotos de alunos fazendo atividades.
— Eu sou a mãe do príncipe. – anunciou
com ares de nobreza.
— Não me lembro de nenhum aluno com
este sobrenome... – respondeu a coordenadora estudando aquela figura que mais
parecia ter saído de dentro da coluna social da revista do Yacht Clube.
— Como? A senhora não sabe quem é o meu
príncipe! Ele é um garoto formidável, todo mundo gosta dele.
— E qual é o nome dele?
— Bruno.
— Ah!
— Já sabe de quem estou falando?
— Ainda não. De qual série?
— Ora, do segundo ano.
— Hum... E qual dos 59 Brunos do segundo
ano a senhora está se referindo?
— Ora, do Bruno Lima de Carvalho!
Então, já sabe quem é agora? – perguntou impaciente.
— Agora, claro que sei, sim! A senhora
está se referindo à “Mãinhia”. – respondeu finalmente à coordenadora, lembrando-se
do garoto acima do peso que vivia se empanturrando de batatas fritas de
saquinho, balas e outras porcarias que ia deixando vestígios pelo caminho
denunciando a sua passagem, e que era um pequeno mau caráter, mentiroso, cínico
e dissimulado que sonhava um dia virar político, já tinha talento para tanto.
— Mãinha? Mas que diabo de apelido
horrível é este, porque vocês chamam o meu príncipe assim? – perguntou
indignada.
— É porque ele sempre diz coisas como
“se eu tirar nota baixa no teste, mãinha vai me bater”, “se eu chegar assim em
casa, mãinha vai me comer de porrada”, “se mãinha souber disso, ela vai me arrancar
o couro.”
— Ah, é? – perguntou, não mais
parecendo tão nobre desta vez.
A coordenadora a fitou em silêncio por
alguns instantes como se estudasse aquela mulher sentada à sua frente e, em
seguida, perguntou:
— Eu estou curiosa, gostaria de
entender melhor o seu Bruno. Diga-me, a senhora costuma dar surra no seu príncipe?
Rio vermelho,
29 de novembro de 2011.
*Estória
me contada pelo amigo Gabriel Lopes Pontes.