Aqui perto de casa existia as
ruínas do que outrora fora uma pracinha de bairro cujo tempo e falta de zelo
encarregaram-se de torná-la esquecida e desprezada. Tomada pelo capim alto e sujeira,
certo dia, um ex-morador das vizinhanças que foi trabalhar ao lado do prefeito,
para provar o seu prestígio junto ao alcaide, conseguiu deste que reformasse a
praça e a tornasse num espaço útil à comunidade. Bravo! Terminado os demorados serviços
de reconstrução, este mandou colocar no centro da nova praça o busto de um
homem de óculos pesados e olhar severo e batizou-a com o nome de seu saudoso
pai, um ilustre desconhecido.
Ora, quem de nós não gostaria de homenagear o próprio pai
com um monumento em seu nome ou uma rua ou avenida? Sem querer desmerecer o
genitor de alguém, não haveria praças, pontes, viadutos e logradouros públicos em
quantidade suficiente para prestar tal distinção. Enfim, a praça ficou bela e aprazível.
Além do insólito monumento, ganhou, também, bancos de madeira, escorregador,
gangorra e balanço para as crianças. O busto do desconhecido até conferiu um
certo charme ao local, que passou a ganhar vida com a frequência de moradores do
bairro de dia e à noite.
Talvez alguém, com inveja ou protesto por não ter
conseguido, também, prestar um tributo ao próprio pai, colocando nem que fosse uma
placa com o seu nome num dos bancos da praça, foi lá sorrateiramente e roubou
os óculos do homenageado, dias depois da inauguração que foi uma festança com
direito a acepipes, fanfarra e fogos de artifício.
O ato de vandalismo foi repudiado por todos. Poxa a pracinha
estava tão bonita, quem fez aquilo não gostava de ver a cidade arrumada. Mas o
filho do ilustre desconhecido mostrou que tinha mesmo prestígio. Dias depois, o
escultor autor do busto foi lá e pôs novo par de óculos no monumento.
Ao todo, foram cinco vezes, ao longo de quatro anos, que
fizeram sumir os óculos do rapaz. O vândalo era insistente em seu propósito e o
filho do homenageado em sua determinação de ver o pai usando óculos, como se
naquela altura da vida e em sua atual condição estática aqueles lhe fosse de alguma
utilidade ótica.
Certo dia, no entanto, anos depois, um renomado restaurador
de monumentos com diploma em cursos na Europa apareceu na pracinha, contratado
pela prefeitura para fazer uma limpeza no tal busto e colocar-lhe novo par de
óculos. Ao ser arguido por um antigo morador do bairro, um idoso proveniente de
algum fim-de-mundo na Itália que, sentado num banco, tomava o seu habitual banho
de sol matinal, lhe respondeu que iria colocar, mais uma vez, os óculos na
estátua. O italiano achando graça naquela novidade e veio com a seguinte brilhante
ideia: “Por que você não coloca lentes de contato no ilustre? Ele vai parecer
mais jovem e, por certo, vai ficar mais difícil de roubá-las.” O restaurador
achou a sugestão uma piada, onde já se viu colocar lentes numa estátua. Entretanto,
ao concluir o seu serviço ao cabo de dois dias de trabalho, o artesão rendeu-se
a sabedoria do velho italiano e pôs no monumento, desta vez, um par de lentes
de contato novinho em folha, as primeiras de que se tem notícia, usadas por uma
estátua!
Rio Vermelho, 25 de
agosto de 2013.