quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

O Homem Mau Foi ao Cinema

Hoje eu faço um mea-culpa. Esta minha postura é tão rara quanto a ouvir o belo canto do uirapuru no coração da floresta amazônica. Devo admitir que sou orgulhoso o bastante para não praticar tais atos de humildade e engrandecimento da alma. No entanto, achei que tinha passado dos limites e só uma autocrítica pública me livraria do sentimento de culpa que tem me consumido.
         A minha insensatez tem se expressado sob forma de queixas àqueles que fazem do aparelho celular não apenas um instrumento destinado à comunicação, mas como um objeto de atrito social. Seu uso descontrolado em qualquer ocasião, mesmo nos lugares onde são expressamente proibidos tem gerado conflitos entre aqueles que possuem bom senso e os que não sabem para que isto serve.
         Ontem fui ao cinema. Sim, este mesmo que é a fonte do meu lazer, também é a causa de meus dissabores. A linda moça veio e acomodou-se ao meu lado e antes que o filme iniciasse, ela sacou de sua bolsa o aparelho celular e checou as mensagens ou seja lá o que fosse de tão importante. Como todos sabem, ao ser acionada, a tela do aparelho celular emite uma brilhante e continua luz. Isto não representaria inconveniente algum se não ocorresse numa sala escura como a do cinema, cuja principal característica é ficar um breu durante a exibição do filme. No escuro, a luz do celular provoca desconforto à visão dos que estão sentados ao lado usuário do aparelho, assim como daqueles localizados logo atrás dele. Não tem como não se sentir incomodado numa situação como esta.
         Eu tento não ser intolerante – ó, Deus, como eu tento! – me contenho em não protestar até que o filme comesse e ainda assim sempre dou uma margem de tolerância de mais cinco minutos para que o proprietário do celular possa se acostumar com a ideia de ficar longe dele pelos próximos longos minutos que durar o filme. No entanto, passados os meus tais cinco minutos de tolerância, a minha vizinha continuou ligando de forma intermitente o seu aparelho e sua luz ao lado a me incomodar. Como aquilo me parecia que não teria fim se eu não interferisse, pedi-lhe educadamente que desligasse aquela merda. Ela disse que sim e pôs o aparelho dentro de sua grande bolsa. Constrange-me pedir a um adulto para se comportar.
         Não demorou cinco minutos, no entanto, e lá estava ela novamente de olho no celular. Desta vez, entretanto, ela teve o cuidado de acendê-lo dentro da bolsa. Provavelmente o excesso de tintura loura em seus longos fios de cabelos tenha lhe subtraído a pouca quantidade que ainda lhe restava de inteligência, pois só a ignorância justificava o fato de ela não perceber que mesmo estando parcialmente dentro de uma enorme bolsa, o seu celular continuava a emitir luz e a incomodar as pessoas ao seu redor.
         Eu fiquei refletindo sobre o que faria uma pessoa adulta e aparentemente sadia como ela insistir no erro. E foi neste instante que um sentimento de culpa se apoderou de mim e me fez ter vergonha de mim mesmo. A personagem do filme que assistíamos admitia naquele mesmo instante que ela era viciada em sexo – não vá assistir a Ninfomaníaca esperando ver cenas picantes, pois este filme é apropriado a passar na Sessão da Tarde sem cortes. Se quer ver sacanagem explícita com história, assista Azul é a Cor Mais Quente, é até educativo. – e que não podia controlar aquele vício que era maior que ela mesma. Então eu acordei para o fato que o mesmo acontecia com a criatura ao meu lado. A coitada era uma viciada em celular – não no aparelho propriamente, mas na necessidade de estar conectada à internet. Sua vida não valia coisa alguma se ela não pudesse a cada cinco minutinhos dar uma olhada na tela do aparelho. A sua vida devia ser tão vazia quanto a da protagonista do filme, que contava angustiada o seu drama, num tom confessional, a um desconhecido. A vida da personagem ao meu lado e assim como à da tela era preenchida pelo vazio e pelo equívoco. Checar o celular a cada instante na expectativa de que daquela vez houvesse realmente algo de importante que desse sentido à sua existência deveria ser o seu martírio.
         Eu me senti um injusto e insensível por estar exigindo de um viciado algo que ele não tem poder para controlar. Era como pedir a um alcoólatra para não tomar o primeiro gole do dia ou ao dependente químico para se abster de dar aquela cheirada que lhe proporcionará conforto. Assim como há em curso uma epidemia de crack aniquilando a nossa juventude sem que se faça nada a respeito, uma multidão de viciados em estar atualizado através da internet se multiplica silenciosamente sem que as autoridades de saúde pública atentem para o fato.
Eu não sou um viciado em coisa alguma, mas gostaria. Todos os anos eu me prometo que adquirirei algum vício, mas sempre fracasso até neste intento. Mas sou capaz de entender e de imaginar a aflição e tormento de um viciado e o inferno que deve ser para aquela moça ficar desprovida de seu aparelho celular por alguns minutos durante a exibição de um filme. Não checar as suas mensagens a cada instante, não ver a última postagem do amigo na rede social deve ser para ela uma tortura tal como deve ser para o político praticar um único ato honesto uma vez na vida. É algo incompreensível para a sua compreensão enferma e por isso não me surpreendo se ela tiver me considerado um homem mau. Ela merece a minha compaixão e não a recriminação. Depois do filme, ofereci-lhe o telefone de um amigo, um excelente psiquiatra. Fiz bem?

Rio Vermelho, 22 de janeiro de 2014.


sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Reflexões Avulsas de Um Aniversariante

Hoje é meu aniversário e aproveito para refletir um instante. Não que eu seja um daqueles tipos emotivos que, movidos por sentimentos altruístas e tocado pela circunstância do momento, considerem que é de importância para o mundo que reflita em dia de seu aniversário, Natal ou ano novo, longe disto. Este é um exercício que costumo fazer com frequência, embora eu quase sempre nunca chegue à conclusão alguma. Reflito pelo prazer de refletir e um cara quando chega à minha idade deveria fazê-lo sempre, mas não em proveito próprio e sim para esmiuçar o mundo ao seu redor, mesmo que não vá tomar nenhuma providência prática sobre isto.
E neste exercício filosófico, percebo que quanto mais observo o mundo à minha volta, me convenço de que não é a falta de educação o mal que mais nos aflige e sim algo que mesmo um cidadão que não teve a oportunidade de sentar-se num banco de escola é possuidor, pois é algo inerente ao domínio das letras e tem origem no modo como a pessoa se relaciona com o mundo que a rodeia, o modo como ela percebe o outro e age em relação a este. Não sei que nome dar a isto. Isto parece ser algo tão simples como saber quando dar um bom dia ou dizer um obrigado, mas trata-se de algo mais profundo e complexo.
         Veja por exemplo, quando vamos, aqui em Salvador, ao balé, coisa de gente refinada e considerada culta e educada. Antes de o espetáculo começar, uma voz ao alto falante solicita que todos desliguem os seus aparelhos celulares e não fotografem. A impressão que se tem é que a dita voz falou em uma língua morta desconhecida do nobre público, pois só o que se vê são estes aparelhos celulares com câmeras fotográficas embutidas em posição de ataque, fotografando ou filmando cada instante do espetáculo. Em sua maioria, tal comportamento é motivado pelo intuito de divulgar aquele momento especial em uma rede social na internet. Quanto a falar ao telefone, recentemente, um dançarino estrangeiro em apresentação em nossa cidade, interrompeu a sua coreografia para pedir a uma dama da sociedade, sentada na plateia numa fila próxima ao palco, que não mais falasse ao telefone. Dá para entender do que eu estou falando?
         Mas tal comportamento não é um privilégio apenas dos cidadãos comuns. Até aqueles que deveriam dar o exemplo padecem deste mal. O presidente do senado, por exemplo, recentemente se utilizou de um avião da Força Área Brasileira para fazer uma viagem de caráter meramente pessoal – uma das muitas que costuma fez e pelas quais é duramente criticado pela mídia e mesmo assim ele insiste no erro – às custas do dinheiro do contribuinte. A sua Excelência voou para outra cidade para ir se submeter a um implante capilar, mandou transplantar seus pelos púbicos para o alto do cocuruto. Acreditava este nobre cidadão que o famoso implante o tornaria uma pessoa melhor e um bom político e que os cabelos crespos esconderiam a profunda falta de honestidade que lhe sobra.
         Bem, se o tal político lá em cima, um criador de leis, não está nem aí para os outros, porque justamente um pobre mortal deveria fazer diferente?
         É triste notarmos nas redes sociais que aquela pessoa que posta coisas bonitas sobre amor, solidariedade e tornarmos este um mundo melhor para os nossos filhos – os filhos deles, eu imagino – são as mesmas que cometem pequenos delitos em seu dia a dia, algo como usar o tal aparelho celular em situações onde este é proibido, estacionar o automóvel em cima de passeios ou ocupar a vaga de estacionamento de um deficiente físico, isto quando elas são pessoas perfeitamente saudáveis, pelo menos fisicamente. A lista de infrações e inconveniências cometidas por tal pessoa é longa e enfadonha.
         Eu fico me perguntando o que falta para que algumas pessoas perceberem que elas não estão sozinhas no universo e, por isso, não podem fazer o que lhe vier na cabeça. Infelizmente a quantidade delas é maior em dobro daqueles que ainda cultivam esta coisa fora de moda que é o bom senso.
         Outro dia, eu assisti uma mãe que passeava na beira-mar com o filho de uns cinco anos de idade ensinando-o fazer xixi na rua e pensei comigo mesmo, o mundo sempre foi e será um bom lugar para se viver, algumas pessoas é que não merecem habitá-lo.


Rio Vermelho, 12 de janeiro de 2014. 

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Feliz Ano Novo Novamente!

Fui cedo para cama a noite passada, véspera do ano novo, e quando acordei na manhã do dia seguinte já era 2014. Foi mais um ano que se foi e outro que começa logo no início do verão, quente como se tivesse recém saído do forno. Ano novo é como toda novidade, cria aquela expectativa quase mágica pelo que representa, é um divisor de águas visível apenas nos números do calendário, é uma esperança de renovação, embora tudo continue igual como na noite anterior, exceto pelos vestígios da festa deixados espalhados pela sala da casa à espera da arrumação.
         Mas para fazer a coisa valer de verdade, cabe a nós mesmos tornar deste novo ano que começa um ano diferente de seu antecessor, pois isto não se fará milagrosamente por obra e graça do Espirito Santo. Um ano novo nos dá a oportunidade de tentarmos novamente, pois o ano novo existe para isto, para que tentemos mais uma vez realizar sonhos e desejos que ainda não concretizamos ou começarmos a trabalhar em novos planos e objetivos. O importante é que continuemos sempre esta busca do nosso aprimoramento pessoal.
         É claro que algumas conquistas foram atingidas. Alguém finalmente conseguiu parar de fumar ou emagreceu aqueles quilos excedentes para poder voltar a caber em velhas calças. Alguém conheceu e conquistou o amor de sua vida ou finalmente livrou-se daquele cujo amor já tinha virado pó. Teve outro que conseguiu aquela promoção no trabalho ou que, na falta de reconhecimento, conseguiu outro emprego melhor, pois há males que vem para o bem.
         Quem foi mais altruísta e pediu paz no mundo, fim da fome, da pobreza e da peste, estes terão de aguardar mais um pouco, pois tais desejos não se concretizam em apenas um ano, sua realização se dá de forma silenciosa, numa medida de tempo que extrapola as folhas do calendário. Enquanto isto não acontece, cada um faz a sua parte, acabe com a sua fome seja ela qual for e de alguém próximo a você. Seja gentil com as pessoas que encontrar pelo caminho, pois, como diz a sabedoria popular, gentiliza gera gentileza e este já é o começo do processo de paz. O mundo só muda se as pessoas mudarem antes, esta lei é tão certa e imutável quanto o prazo final de entrega do imposto de renda.
         No fim do ano passado, parece até que foi ontem (risos), eu fiz como faço diariamente. Fui para a cama cedo, desejando que o dia seguinte fosse melhor que o anterior. Quando acordei, já era outro ano! Tomei o meu café da manhã como de costume e depois comecei a trabalhar. Prometi a mim mesmo ser um pouco mais otimista, apesar das peças que as vezes a vida me prega. Ao sair na rua, sorri para as pessoas que fui encontrando pelo caminho e desejei-lhes um bom dia e feliz ano novo. Dei minha vez na fila do taxi para um apressado chegar na hora ao compromisso, disse uma palavra gentil a alguém que parecia estar tendo um dia ruim. Para mim, é assim que o ano novo começa a ser diferente do anterior (e nem deveria ser tão diferente assim). Parabenizo o feliz leitor por mais um ano novo!

Rio Vermelho, 1º. de janeiro de 2014.