Em volta do pequeno palco armado no centro do Mercado
do Peixe, uma modesta multidão ia se formando. É preciso dizer que jamais um
peixe foi vendido naquele lugar, e se este foi batizado com tal denominação,
talvez se deva ao fato de a moderna construção ficar ao lado do mar e de uma
colônia de pescadores. Talvez num passado remoto ali fosse vendido algum peixe,
mas as construções que se seguiram posteriormente abrigaram bares e pequenos
restaurantes populares.
Uma pequena banda composta de quatro músicos afinava
instrumentos e testavam o som. De pé, vistoso, entre aquela turma, um negro do
cabelo loiro e de brincos, vestindo um macacão colorido chamativo parecia ser o
vocal do grupo. Ora ele falava com o baterista, ora com o percussionista ou
guitarrista, e parecia alheio àquela aglomeração que se formava ao redor da
banda. As pessoas assistiam silenciosas àqueles preparativos e depois de um
demorado tempo, finalmente o guitarrista deu o primeiro acorde que foi acompanhado
pelos outros músicos. Pronto, o show ia começar!
O som que produziam era empolgante o suficiente para dar
vontade de dançar, mas ninguém na plateia, talvez por timidez, tomasse a
iniciativa. Ao invés disso, os olhos fixavam-se no vocal à espera que ele
começasse a cantoria. Entretanto, os instrumentistas davam o ritmo, atraindo para
perto mais curiosos. E quando finalmente o vocal pegou no microfone, ele ainda
levou algum tempo até dizer em tom meloso “açúcar!”. Não disse mais nada e deu alguns
passos e requebrados. Despois de algum tempo em que só a banda entretinha com o
seu ritmo cativante, o vocal deu o ar da graça novamente cantando ao microfone “açúcar!”
Mas ainda não foi aquela vez que ele cantou o resto da
música e a plateia que tinha duplicado de tamanho dava ares de que já começava a
impacientar-se. “Açúcar!”, cantou mais uma vez o negão loiro. Ele era alto e
gordo e parecia mesmo ser um fã incondicional do carboidrato feito de cana. Ele
foi até a frente do palco deu mais um requebrado e aproximou-se do baterista,
“açúcar!”, gritou novamente.
Um rapaz na plateia, não contendo a ansiedade que
aquele suspense lhe causava, soltou uma risada nervosa seguida de outra a cada
vez que o cantor talentoso gritava “açúcar!”
E quando menos se esperava, o homem desceu do palco e
misturou-se à multidão levando consigo o microfone e começou a cantar num ritmo
latino enquanto requebrava:
“tus labios
son ricos
melado de
caña
tus labios
son ricos
melado de
caña
saben de rico
panal
dulce miel
azucarada”...*
E toda a plateia juntou-se a ele e começou a dançar a
salsa.
Rio Vermelho, 7 de abril de 2016.
* Melado De Caña, Célia Cruz