quinta-feira, 7 de abril de 2016

Açúcar!

Em volta do pequeno palco armado no centro do Mercado do Peixe, uma modesta multidão ia se formando. É preciso dizer que jamais um peixe foi vendido naquele lugar, e se este foi batizado com tal denominação, talvez se deva ao fato de a moderna construção ficar ao lado do mar e de uma colônia de pescadores. Talvez num passado remoto ali fosse vendido algum peixe, mas as construções que se seguiram posteriormente abrigaram bares e pequenos restaurantes populares.

Uma pequena banda composta de quatro músicos afinava instrumentos e testavam o som. De pé, vistoso, entre aquela turma, um negro do cabelo loiro e de brincos, vestindo um macacão colorido chamativo parecia ser o vocal do grupo. Ora ele falava com o baterista, ora com o percussionista ou guitarrista, e parecia alheio àquela aglomeração que se formava ao redor da banda. As pessoas assistiam silenciosas àqueles preparativos e depois de um demorado tempo, finalmente o guitarrista deu o primeiro acorde que foi acompanhado pelos outros músicos. Pronto, o show ia começar!

O som que produziam era empolgante o suficiente para dar vontade de dançar, mas ninguém na plateia, talvez por timidez, tomasse a iniciativa. Ao invés disso, os olhos fixavam-se no vocal à espera que ele começasse a cantoria. Entretanto, os instrumentistas davam o ritmo, atraindo para perto mais curiosos. E quando finalmente o vocal pegou no microfone, ele ainda levou algum tempo até dizer em tom meloso “açúcar!”. Não disse mais nada e deu alguns passos e requebrados. Despois de algum tempo em que só a banda entretinha com o seu ritmo cativante, o vocal deu o ar da graça novamente cantando ao microfone “açúcar!”

Mas ainda não foi aquela vez que ele cantou o resto da música e a plateia que tinha duplicado de tamanho dava ares de que já começava a impacientar-se. “Açúcar!”, cantou mais uma vez o negão loiro. Ele era alto e gordo e parecia mesmo ser um fã incondicional do carboidrato feito de cana. Ele foi até a frente do palco deu mais um requebrado e aproximou-se do baterista, “açúcar!”, gritou novamente.

Um rapaz na plateia, não contendo a ansiedade que aquele suspense lhe causava, soltou uma risada nervosa seguida de outra a cada vez que o cantor talentoso gritava “açúcar!”

E quando menos se esperava, o homem desceu do palco e misturou-se à multidão levando consigo o microfone e começou a cantar num ritmo latino enquanto requebrava:

“tus labios son ricos
melado de caña
tus labios son ricos
melado de caña
saben de rico panal
dulce miel azucarada”...*

E toda a plateia juntou-se a ele e começou a dançar a salsa.


Rio Vermelho, 7 de abril de 2016.

* Melado De Caña, Célia Cruz