Eu gosto de relógios de espessura fina e que não pesem
no braço. Destes que de tão discretos só mostram as horas e não me incomodam fazendo
tic-tac. Pra quê mostrador de profundidade, se não sei nadar e tenho medo de
água ou de que adianta saber quantas vezes o meu coração bate, pois por quem
ele bate não é ouvido? Finalmente, depois de procurar pelas lojas encontrei um
que se enquadrava ao meu gosto e ainda custava o preço de uma pizza grande. O
seu mostrador era redondo com o fundo branco e no centro um par de ponteiros
girava apontando para números arábicos elegantes. Ele não era de uma marca
chique, pelo contrário era bem popular, mas de qualidade confiável, não era
coisa de camelô. De qualquer forma, não era o tipo de relógio que as pessoas que
se importam com grifes gostariam de ostentar no pulso para mostrar ao mundo que
estão bem de vida.
Com o uso frequente, fui aos poucos percebendo as
vantagens de possuí-lo. Certa vez eu ia num ônibus, destes que se paga mais por
um pouco de conforto, quando percebi a presença de um rapaz que se aproximava pelo
corredor com as mãos cheias de bugigangas. Fiquei surpreso por deixarem um
vendedor ambulante entrar naquele tipo de ônibus e só me dei conta de que, na
verdade, se tratava de um assaltante quando ele me mandou passar tudo. Quando
lhe entreguei o relógio, no entanto, o assaltante examinou-o com desdém e o devolveu
dizendo que não queria aquilo. Meu prejuízo foi pouco, pois não saio com
celular e nem coloco documentos e cartões de crédito na carteira que quase sempre
carrega apenas trocados, nada que dê alegria a assaltante.
Mas esta não foi a única vez que tentaram levar meu
relógio que, para mim, virou motivo de satisfação possuí-lo, pois estava claro
que este não era o querido dos ladrões. Outra vez tive a sorte de ser abordado
novamente por um assaltante nas imediações de minha casa e como eu não tinha um
celular para entregar-lhe, ele levou o relógio. Entretanto, encontrei-o mais adiante jogado ao
chão; o bandido deve ter desistido dele e me jogado uma praga!
O caso mais emblemático que envolveu o meu bom e barato
relógio, no entanto, ocorreu quando uma bela moça a quem eu cortejava, finalmente
cedeu aos meus convites para sair comigo. Ela caprichou na elegância, calça da
Kalvin Kleine, blusa da Farme, bolça da Victor Hugo, Sapatos da Arezzo, perfume
da Carlina Herrera e, como constatei mais depois da segunda garrafa de vinho –
ela era difícil na queda! –, lingerie da Victoria Secret. Além de se vestir a peso
de ouro, sabia recitar nomes de vinhos caros, os hotéis e restaurantes mais luxuosos
de Nova Iorque a Paris e demonstrava ter domínio destes conhecimentos com tal conhecimento
de causa e orgulho que até me fez bocejar de sono. E quando ela me deixava falar
um pouquinho, eu percebera que ela olhava discretamente o meu relógio, talvez
para não demonstrar indelicadeza consultando as horas em seu próprio pulso. A
noite para mim transcorreu agradável e educativa, e quando finalmente terminamos
na cama, eu sussurrava em seu delicado ouvido nomes de grife famosas que me vinham
à memória enquanto fazíamos amor, com o intuito de aumentar o seu prazer.
E, no dia seguinte, como manda a etiqueta, mandei-lhe
mensagens agradecendo-lhe pela noite esplendida, ao que ela correspondia com
“emotions”. No entanto, os convites para um segundo encontro eram sempre
recebidos por ela com entusiasmo, mas que ela educadamente os cancelava poucas
horas antes e assim aconteceu sucessivamente. E finalmente enquanto eu refletia
o possível motivo daquela rejeição, só me vinha na cabeça uma explicação lógica:
foi o relógio barato!
Rio Vermelho, 14 de junho de 2016