Era noite silenciosa, e na hora
mais adiantada do sono, fui acordado pelo chamado de minha mãe. Pedia ajuda
para levantar-se da cama e segurá-la no caminho até o banheiro. Isto é rotina
de todas as noites, e quando não acontece, fico até preocupado. Em seu atual estado
de fragilidade, consequência da idade avançada, ela soltou um lamento, não era útil
para mais nada e dependia das pessoas para tudo. Desculpou-se por dar trabalho
àquela hora da noite.
A mulher nascida na pobreza do
sertão, que desde criança aprendeu a defender-se, pois no colégio interno em
que foi estudar, na capital, não tinha nem pai nem mãe ou irmão mais velho que
olhasse por ela, a de espírito voluntarioso que preferiu ser excomungada, a
deixar de ir viver com o homem que amava, mas que já fora casado uma vez – numa
época em que o Deus uniu, o homem não separava –, a que já foi comparada como a
viga mestra da família, a que esteve sempre ao lado do companheiro dedicado ao
seu trabalho como artista, para tirar do cavalete o sustendo para a grande
família, a que criou sete filhos e netos, lamentava agora estar dando trabalho.
Para quem criou filhos e netos
só contando com a ajuda do companheiro e, na maioria das vezes, nem com isso,
fico imaginando as incontáveis vezes que ela levantou-se no meio da noite para
trocar fraldas ou levar crianças semiacordadas para o banheiro, ou forrando com
jornal velho a cama que ficou molhada para que a criança prosseguisse no sono, confortável,
até o amanhecer. Agora os papéis se inverteram, e chegou a vez dos filhos fazerem
por ela o que ela fez por eles sem se queixar.
Enquanto tivermos valor
utilitário para outros, não nos falta companhia. Na hora da precisão, sempre somos
lembrados como aquele que sabe, que faz, que tem, que ajuda, que empresta. É
bom sentir-se útil; poder ajudar, quando possível, sem esperar, no entanto, contrapartida.
Ser útil é o que nos dá sentido à vida. Porém, o dia em que precisaremos mais
de ajuda do que formos capazes de poder ajudar chegará, este é o desfecho natural.
Aí pergunto, quem estará realmente próximo quando este dia chegar. Quando apenas
formos uma desbotada imagem daquilo que já fomos, quem se interessará por nós.
Só o amor puro, liberto de qualquer interesse trará para perto aqueles que não
esperam de nós uma palavra ou gesto que faça sentido. O amor criado pela convivência
desinteressada, apenas pelo prazer de estar ao lado da pessoa, e ser útil a ela
que agora não está mais em situação de poder ser útil, é o que restará no final.
Com pouca noção do que se passa, mal sabe o “inútil” que está sendo útil ao fazer
alguém se sentir útil.
Então, quando a mamãe lamenta o
seu atual estado de “inutilidade”, eu penso em como ela não tem noção de como
ela tem me ajudado a refletir sobre a fragilidade da vida e feito eu me tornar
uma pessoa mais humana e solidária, sem nenhum interesse oculto, porque o que
sobra no limiar da vida é simplesmente o amor.
Rio Vermelho, 30 de
janeiro de 2018.