Certa vez houve um abacateiro aqui em casa. Ficava num
esquecido e estreito pedaço de terra no pátio da frente. Porém, ninguém de casa
jamais soube como ele foi parar lá, apenas nasceu e cresceu ali por conta
própria e, quando nos menos esperávamos, tínhamos um abacateiro! Mas nem a
escassez de terra e a negligência o impediu de se desenvolver numa árvore frondosa
e generosa. Aquele abacateiro era admirado na vizinhança, pois quando chegava
janeiro, era como se todas as suas folhas se transformassem em frutos, ficava tão
carregado de se perguntar como era possível uma árvore dar tantos de uma só vez.
E como eram formidáveis, grandes e suculentos, os nossos abacates. Era, então, a
época de nos fartarmos de abacate aqui em casa, e de presentear os amigos e
vizinhos com a mesma generosidade com que a árvore nos agraciava.
Infelizmente, tal maravilha da natureza não durou para
sempre. Um dia, a planta começou a perder as suas cores e a exuberância, foi definhando
até que se tornasse apenas em galhos secos e sem vida. Mamãe, então, mandou remover
o que sobrou dele, e só nos restou a doce lembrança de um abacateiro
extraordinário. Curiosamente, a morte do abacateiro ocorreu seguidamente ao falecimento
do meu pai.
Anos se passaram sem que percebêssemos que outra
planta crescia no mesmo lugar onde antes houvera o tal abacateiro. É claro que
eu não fazia ideia de que planta era aquela, apenas cresceu e tornou-se uma
árvore sem graça, de copa rala que se espalhava irregularmente para todos os
lados. Possuía espinhos tão longos quanto os dedos da mão. Vez por outra, podávamos
os galhos mais altos para que estes não danificassem o telhado. Às vezes, eu lembrava
daquela planta tão desajeitada e lhe lançava um olhar intrigado, me perguntando
se algum dia ela ia dar alguma flor ou fruto.
Até que certo dia, depois de anos de espera, notei que
um pequeno fruto arredondado de casca verde se formava na ponta de um galho
baixo, mas que não estava ainda desenvolvido o suficiente para ser colhido. Seria
um limão? Aguardei mais algumas semanas, o colhi. Fiz com ele uma limonada que,
no final, tinha sabor insosso e sem a acidez própria do limão. Era evidente que
aquela árvore não era um limoeiro como eu imaginava. Então só voltei a prestar
atenção nela novamente quando notei que estava carregada de frutos que se
juntavam em cachos. Eram tantos que me fez recordar do antigo abacateiro.
Esperei até que eles se desenvolvessem, e cresceram bonitos e graúdos que cheguei
a pensar que era algum tipo de laranja cuja espécie eu desconhecia. À primeira
chupada de uma fruta, descobri que eram limas!
Eu nunca vira antes limas tão grandes como aquelas.
Colhi um monte delas e descobri que tínhamos uma riqueza em casa, pois as limas
eram feito mel, saborosas para chupar e fazer limada. A proposito, a melhor
limada, como me ensinou um amigo de origem síria, é aquela feita apenas com as
suas cascas batidas com água e açúcar no liquidificador. Tal como o abacateiro,
a limeira era exagerada, não apenas no tamanho da fruta, mas também na
quantidade que dava a cada estação. Os galhos mais baixos que ficavam para o
lado de fora da casa, no passeio, ofereciam aos passantes as limas, e não havia
quem não colhesse pelo menos uma e seguisse o seu caminho com alegria no
coração. Tínhamos limas de sobra para nós em casa, e para presentear à
vizinhança. Mais uma vez, nos sentíamos agraciados com um milagre da natureza.
Algumas semanas atrás, no entanto, um vizinho chamou a
minha atenção para o fato de que o nosso pé de lima estava morrendo. Suas
folhas começavam a secar e não tardariam a despencar. Eu não havia prestado
atenção naquela tragédia, pois eu andava muito ausente de casa naqueles dias, tão
triste e ocupado eu estava, cuidando de minha mãezinha que padecia num leito de
hospital. Três dias atrás o seu coração a traiu e aquietou-se para sempre. Ela
foi em paz. Foi-se uma velhinha doce e muito querida, como os frutos daquele pé
de lima, cujas folhas secas começaram a cair. E no lugar onde antes houvera um
abacateiro e um pé de lima, as cinzas do papai e da mamãe serão depositados
para o todo sempre.
Rio Vermelho, 28 de setembro de 2018.