Gosto de ir ao supermercado. Acho mais divertido que
passear em shopping center, por exemplo, apesar de preferir passear ao ar livre,
de preferência na orla da praia, onde a imensidão de água à frente me leva a
imaginar sobre países distantes e modos de vida possíveis.
O supermercado é um bom ponto de encontro para amigos
que moram no mesmo bairro e, também, nos dá a oportunidade de conhecer pessoas
novas, inclusive arriscar um flerte com uma bela e jovem mulher empenhada em
encher o carrinho com coisas supérfluas.
Em frente à gondola de produtos de limpeza, vi um
senhor mais velho que eu. Talvez a minha percepção deveu-se ao fato de ele
possuir uma grisalha barba de uma semana por fazer e de estar fora do prumo,
isto é, sua coluna era meio torta, como se carregasse de um só lado do corpo todo
o peso de sua idade. Ele tentava se abaixar
para pegar um produto na prateleira mais baixa da gondola, geralmente aquela
onde estão os produtos com o menor preço. Percebi a sua dificuldade, mas não
ousei dar uma de bom samaritano, para não ofendê-lo.
Continuei com minhas compras e, na gondola do leite em
pó, tive a grata satisfação de encontrar um promotor de vendas de uma marca de
leite que costumo consumir. Eu sempre quis fazer uma pergunta inconveniente a
um cara desses e minha oportunidade tinha chegado. Perguntei-lhe por que o
pacote de 800 gramas onde estava escrito Embalagem Econômica terminava saindo
mais caro que se eu escolhesse levar quatro de 200 gramas. Então ele me veio
com a seguinte pérola: era econômica porque o cliente não precisaria ir mais
vezes ao mercado poupando-lhe combustível, era econômica porque a para se
produzir aquela embalagem se gastava menos material e energia e se preservava o
meio ambiente, era econômico porque blá blá blá. Veja só, nada que demonstrasse
uma preocupação com bolso do freguês na hora de pagar a conta. Tamanha esperteza,
explicou, tinha o aval dos órgãos governamentais fiscalizadores, responsáveis
por proteger a boa fé do consumidor! Como eu sempre achei, estamos mesmo num
mato sem cachorro.
Terminei indo para a fila do caixa, levando no
carrinho apenas um pacote de leite em pó. Para minha surpresa, a pessoa que
estava na minha frente era o velho torto da gondola de produtos de limpeza. Lancei
o olhar para as suas compras e percebi que talvez ele tivesse cometido um engano
ao comprar vários pacotes de leite em pó de determinada marca. Eu sabia, porque
quase caí no mesmo erro. Avisei-lhe que aquele leite que ele estava levando era
mais caro e que o preço mais barato que ele se orientara para fazer a sua
escolha, referia-se ao produto do lado. Surpreso, ele correu até a gondola para
verificar e voltou de lá com pacotes de leite da mesma marca mais barata que eu
havia escolhido. Agradecido, ele olhou para o meu carrinho e viu que só havia
nele um único item. “Você só tem isso para passar?” ele perguntou e eu anuí com
um sonoro sim. “Passa na minha frente, então”, ele falou.
Enquanto esperávamos pela cliente que estava à nossa
frente passar as suas comprar, nos engajamos numa breve conversa. Ele era
paulista. Contou que tinha sido um ginecologista e, um dia, ficou cheio de
meter a cara entre as pernas das mulheres. Abandonou tudo e veio morar em
Salvador. Perguntei sobre a camiseta que ele vestia e onde se lia em letras
vistosas e angulosas a palavra arquitetura. “Agora estudo arquitetura na
faculdade”, ele explicou. E, para complementar, ele disse com entusiasmo: “Eu
me descobri na arquitetura, estou adorando!”
Veja só, às vésperas de usar fraldas geriátricas e babador,
ele estava se reinventando. Ao falar de sua guinada na vida, parecia
rejuvenescido. Talvez tivesse uma cabeça melhor do que muitos dos seus colegas
adolescentes, alguns já desencantados com as dificuldades que a vida lhes
oferecia, à medida que se viam na eminência de terem de enfrentar a realidade
da vida adulta.
Rio Vermelho, 20 de novembro de 2018.