Na escola, era chamado de Sapo, pelos colegas. Mas
isso foi há muito tempo há trás, no tempo que a palavra bulling ainda não tinha sido inventada e todo mundo tinha um
apelido sem que isto virasse caso de polícia ou de tratamento psicológico. O
Gordo geralmente era um garoto mirrado, Jacaré era porque tinha a boca grande e
quando sorria todos os dentes se mostravam, Cabeção tinha a cabeça grande
mesmo, e por ai vai. No caso do nosso ilustre personagem, não havia como olhar
para ele e não associá-lo ao anuro. Quase não tinha pescoço, a boca estendia-se
de uma orelha a outra, que eram muito miúdas. Os olhos eram esbugalhados em
razão de uma deficiência glandular. As pernas e os braços eram finos e
compridos demais, presos a um tronco curto demais e que carregava uma barriga
saliente que era redonda e dura. Costumava usar camisas justas, e isso só
piorava as coisas, pois a barriga parecia que aumentava de tamanho. Em resumo,
era irremediavelmente feio como um sapo.
Mas o apelido de Sapo ficou no passado, agora ele era
o doutor Sapo, quero dizer, doutor Feliciano Pastori, um famoso cirurgião
plástico, responsável pela criação de centenas de narizes arrebitados, bocas
carnudas, seios duros e arredondados, nádegas proeminentes – para aquelas que
se queixavam de não as possuírem em quantidade suficiente antes da intervenção
cirúrgica – e rostos de pele esticada como o tamborim. Era irônico que o gênio
responsável pela criação de tanta beleza fosse justamente o oposto de suas
criações cirúrgicas. Não havia jeito, mesmo usando roupas e sapatos de grife,
relógios caros, continuava a se distinguir dos demais homens por sua feiura. –
veja bem, sapos não são criaturas de aparência abominável como o escritor aqui
provoca o leitor a imaginar. Eles são até criaturas simpáticas, apesar de suas
características pouco estéticas. A ideia aqui é reforçar na imaginação do
leitor a imagem de algo que foge aos padrões de beleza. Peço humildemente
desculpas, se ofendei algum sapo aí, lendo a minha história.
E você acha que o doutor Pastori se incomodava com a
ausência de predicados físicos com a qual viera ao mundo? Seu couro não cabia a
sua autoconfiança e autoestima. Ele sempre foi um sujeito simpático e
galanteador, ainda que fosse difícil uma mulher deixar-se seduzir apenas pelos
atributos de sua personalidade, porque era difícil de encarar o resto, o homem
era feio e ponto final.
Mas, como diz o batido ditado, a beleza está nos olhos
de quem a vê. E foram os olhos de uma bela mulher – muito bonita mesmo, posso lhes
garantir – que viu beleza no feio doutor Feliciano; talvez ela achasse que se
lhe desse um beijo, ele se transformaria num belo príncipe, como nos contos de
fadas, mas se isto realmente aconteceu, foi apenas em sua romântica imaginação.
Apesar das críticas das amigas, ela casou-se
com ele e teve filhos que, graças a deus, pareciam-se com a mãe!
O doutor Feliciano, como eu disse antes, era um
sujeito simpático e carismático – não tinha mencionado que ele também era
carismático? Eu esqueci, ando meio esquecido ultimamente. –, isto lhe rendia
amigos. Ele tinha uma conversa boa e, diferente da maioria dos médicos que eu
conheço, sabia falar sobre outros assuntos que não apenas sobre a sua
profissão. Ele animava uma roda de conversa quando fazia parte de uma.
Certa vez foi participar de um congresso internacional
aqui mesmo na capital baiana. Este tipo de evento também tem a vantagem de
proporcionar o reencontro de amigos da mesma profissão que, por uma questão de
distância, raramente se encontram. E foi isso mesmo que aconteceu. O doutor
Feliciano teve a alegria de reencontrar uma colega de escola que não via desde
aquelas priscas eras e, por motivos óbvios, foi ela quem o reconheceu.
Você não mudou nada, disse ela pensando em como o
amigo de infância continuava a parecer-se com um sapo. Ela também seguira a
mesma carreira do doutor Feliciano; felizmente há tanta gente no mundo insatisfeita
com o próprio corpo, de modo que não faltam cirurgiões plásticos para
socorrê-los. O reencontro dos dois amigos foi cheio de alegria e de
recordações. Havia assunto para horas seguidas de conversa. Dava para se
perceber que os dois eram muito camaradas nos tempos de escola. E quando a
doutora Juliana – não tinha dito como ela se chamava? Pois digo agora! –, que
morava na Islândia – sempre quis conhecer este nórdico país e, enquanto isto
não acontece, me satisfaço em enviar meus personagens para lá. – convidou o
querido amigo de infância para jantarem juntos antes de ela partir de volta para
a terra do Eyjafjallajökull, ele mostrou-se embaraçado e adiantou-se em
explicar: Tenho de perguntar à minha esposa, sabe como é, ela morre de ciúmes
de mim. A doutora Juliana ouviu aquela resposta sem conseguir conter a
expressão de admiração, ao mesmo tempo que analisava o amigo e se perguntava: mas
ciúmes de quê?
E, com esta, desejo um feliz 2019 a todos!
Rio Vermelho, 1 de janeiro de 2019.
Nota: Incentive o trabalho do escritor, deixando um comentário. Obrigado!