Era cinco e quarenta da tarde quando pus a máscara e
saí de casa; mas não era carnaval e nem eu ia praticar um assalto. Essa máscara
é uma proteção contra o vírus que vem se espalhando entre as pessoas, mundo
afora, prostrando milhares e ceifando a vida de outros tantos, sem distinção de
idade, classe social, poder econômico, preferência política ou sexual, cor de pele
ou crença religiosa, por tanto um germe letalmente democrático. As máscaras tornaram-se
tão necessárias nos dias de hoje, quanto são os calçados para a proteção dos
pés, quando vamos na rua. Meu destino era uma barraca de frutas e legumes na
Vila Matos, cujo proprietário, seu Roque, a mantém com esmero; dá gosto de ver
a mercadoria arrumada e selecionada para a escolha dos fregueses, porém, ninguém
põe os pés lá dentro, se não estiver devidamente protegido com a máscara.
No caminho ao longo do largo passeio que margeia a
praia, uma situação insólita não escapou à minha observação: um rapaz alto, forte
e tatuado, com o porte de um verdadeiro gorila urbano, passeava, tendo à ponta
de uma correia um desses pequenos cães de madame que nunca se sabe qual dos
extremos é o rabo e qual é a cabeça. O jovem passou por dois pescadores bêbados,
sentados na balaustrada, e um deles lançou um olhar humorado para o pequeno animal
bizarro e exclamou alto assim:
— Um rottweiler! (para quem não sabe, é um cão violento
capaz de enfrentar e abater um touro.)
E o outro rebateu com o mesmo humor:
— Sim. E eu sou o Michael Jackson!
Continuei a caminho do meu destino e, já na praia da
Paciência, parei para assistir a agonia do dia. O céu tem estado da cor de
chumbo nas últimas semanas, exibindo nuvens pesadas que ameaçam uma tempestade de
proporções bíblicas que nunca se precipita. Mas a paisagem não era só isso, o
mar adquirira uma cor fétida e agitava-se nervoso para lá e para cá, quebrando ruidosamente
nas pedras e espumando como um animal hidrófobo, enquanto o vento soprava
forte, silvando através das rochas, soltando uma espécie de gemido assustador, compondo
um cenário de filme apocalíptico. Será que o mar fora infectado pelo tal do coronavírus,
me perguntei. E, por fim, o sol passou o dia escondido, e ninguém o viu sair de
cena.
Enquanto fiz aquela breve pausa para admirar a
paisagem caótica à minha frente, estacionou quase ao meu lado um cidadão que me
tem tomado ultimamente como seu chapa, embora o meu tratamento em relação à sua
pessoa não justifique tal intimidade. Em resumo, eu jamais lhe dei a ousadia.
Ele é um tipo alto, acima do peso e anda desajeitado como um ganso. Acho que
não regula bem da bola. Quando me vê sentado à balaustrada, apreciando a
paisagem, ele se aproxima de mansinho e fica de pé, ao meu lado, e começa a murmurar
uma conversa sem sentido, cujas palavras eu mal consigo ouvir. Então interrompo
aquele meu momento de contemplação e me afasto dele com alguma desculpa, e aí ele
vai aporrinhar outro cristão desafortunado. Vou para outro lugar da orla –
espaço é o que não falta –, a alguns metros adiante, onde espero não ser incomodado
novamente. Mas, como uma sombra, o cidadão me persegue, e não demora muito, lá
está ele, novamente, sussurrando ao meu lado!
Aquilo parece uma ridícula corrida de gato e rato, até que vou embora
para casa. Ainda que nem todos os loucos do Rio Vermelho sejam mansos, este me
parece ser um tipo inofensivo, mas quando se trata de maluco, nunca se sabe,
melhor manter distância (e não votar neles!).
Depois desse dia, nuca mais o vi. Confesso que percebi
a sua ausência, mas não morri de saudades, podem ter certeza. Desde então, posso
admirar sossegadamente a paisagem, sem temer a presença de um estranho resmungando
incoerências ao meu lado. Mas algo me incomoda com este seu sumiço, e me
pergunto, preocupado: será que ele foi atacado pelo maldito vírus?
Rio vermelho, 2 de maio de 2020.