terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Morreu dormindo

 As redes sociais têm o um caráter meritório, e outros nem tanto assim... Divulgam-se comemorações de aniversários, casamentos, nascimentos e tantas outras conquistas que a vida proporciona. Outro dia, vi estampado no perfil de uma querida amiga a foto de seu irmão caçula – de 59 anos. Anunciava, com pesar, a sua partida dessa para melhor. Essa é outra utilidade das redes sociais, comunicar falecimentos de entes queridos.

Fiquei abalado com a notícia, não apenas por se tratar do irmão de uma amiga, mas também porque tínhamos sido muito amigos na época de nossa adolescência. Saíamos juntos, nos visitávamos, até acampamos certa vez em Itaparica, no tempo em que se armava uma barraca na praia sem temer visitas inoportunas. Mas quis o destino que nos separássemos quando entramos para a faculdade, cada um seguiu um rumo diferente na vida, e lá se vão mais de quarenta anos.

Em louvor às antigas recordações e ao velho camarada, fui ao Campo Santo homenageá-lo. O carnaval já batia à porta, e naquele sábado um desfile de um bloco de palhaços estava programado para sair naquela tarde em meu bairro. Os moradores estavam sitiados, mas mesmo assim fiz um esforço para chegar ao cemitério. A vida tem desses contrastes, enquanto num lado da cidade se celebrava a vida, no outro se reverenciava um morto. Eu podia não ter ido, dar a desculpa de que não gostava de ir a enterros, mas quem gosta? Muito menos o homenageado, que, sem dúvida, preferiria continuar andando sobre a terra, ao invés de repousar eternamente sob ela. Ir a um enterro, por mais doloroso que seja ‒ alguns dizem que é chato, e quem disse que era para ser divertido? ‒ faz parte dos rituais da vida, celebramos ali a vida e a morte, encaramos a única certeza de cada um de nós, o inexorável.

No velório, aquele silêncio e tristeza das cerimônias fúnebres. Familiares e amigos estavam desolados, como era de se esperar. Uns vieram de longe, outros interromperam um passeio para darem o último adeus. Dei abraços e condolências, perguntei a um dos irmãos o que acontecera, como morrera o antigo amigo. Ouvi deste que fora um caso de morte súbita, enquanto dormia placidamente em sua cama, simplesmente não acordou para um novo dia. Não estava doente, ninguém esperava por tal fatalidade. Mortes não anunciadas chocam pelo seu caráter repentino e são difíceis de serem assimiladas.

Certa vez ouvi de uma amiga que professa o espiritismo, que não há modo de morte mais digna que morrer dormindo. É uma raridade, uma espécie de merecimento que a poucos são concedidos. Não é para qualquer um. Os que ficam são os que sofrem, e para eles há o conforto de que o falecido não sofreu em sua passagem, morreu dormindo serenamente, o seu coração simplesmente parou de bater, mas antes deixou tantas coisas boas em nossos corações. Descanse em paz, Manuel.

 

Rio vermelho, 14 de fevereiro de 2023.