Esse personagem é recorrente em minhas crônicas. Trata-se de um pedinte aqui do Rio Vermelho, possivelmente um morador de rua; mais um como, tantos outros que povoam as nossas cidades grandes, e vão aumentando em número e se proliferando, mas ainda assim continuam invisíveis aos olhos indiferentes do poder público.
O Rio Vermelho, por ser um bairro aprazível e muito frequentado por turistas, está cheio deles, quero dizer, de pedintes, talvez porque a prefeitura entenda que isso dá um sabor pitoresco à experiência de visitar a nossa cidade.
Como eu e você, o meu pedinte deve ter um nome, mas como nunca nos apresentamos formalmente, ignoro como se chama. Mas tenho observado como ele aborda transeuntes, os comensais dos bares ao ar livre e entra nos estabelecimentos, como na sorveteria em que me encontro escrevendo essa crônica neste exato momento, e pede algum dinheiro – não digo trocado, pois ele já tem uma tabela, começa por pedir uma nota graúda e vai reduzindo a sua ambição até, na maioria das vezes, sair de mão limpa. Como lhe é negado a esmola, com a desculpa de que a conta será paga com o cartão, ele se demonstra ágil de raciocínio, apesar de pobre, mas não é burro, e, num derradeiro apelo, pede então um sorvete, obviamente a ser pago no cartão. Pego de surpresa, o burguês rende-se à insistência e astúcia do pedinte, e fala à atendente do balcão para incluir mais um sorvete na conta.
O nosso pedinte é lembrado aqui na sorveteria não apenas por sua frequência ao estabelecimento – ele vem um dia sim e no outro também, pelo menos duas vezes – mas pela catinga que trás consigo quando adentra o estabelecimento. Ele exala o odor de quem não vê água com frequência, para não dizer quase nunca, aquele azedume suarento que nos provoca repulsa pelo semelhante menos afortunado. Talvez para se ver livre dele – e de seu fedor –, as pessoas sucumbem ao seu pedido.
Outro dia ele apareceu aqui na sorveteria carregando um grande saco plástico preto às costas, cheio de coisas dentro, provavelmente latinhas vazias para serem vendidas à reciclagem. Na cabeça, um chapéu de Papai Noel nos lembrava do tal espírito natalino que devemos ter nessa época do ano, seja lá o que isso seja, mas pelo menos uma vez por ano. Ao invés de sair distribuindo presentes, como se espera do Papai Noel, ele saiu pedindo aos clientes que estavam na sorveteria e, no final, saiu com as mãos tão vazias quanto quando aqui entrara, exceto pelo saco de lixo que carregava. Nem um sorvete ele conseguiu levar dessa vez, que espirito natalino é só para os parentes mais próximos, e olhe lá.
Feliz Natal a todos.
Rio Vermelho, 21 de dezembro de 2023.