quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Ratos de festa.

Era uma daquelas noites enluaradas nas quais o céu fica pontilhado de estrelas que brilham no firmamento feito minúsculos diamantes sobre um veludo negro sem fim. Daquelas que nos dá vontade de passear de mãos dadas com uma bela moça ao longo de uma praia deserta. No entanto, eu estava a caminho de encontrar com amigos dos tempos de escola, o que não deixava de ser uma ocasião especial. Considero os amigos de infância como um bem para toda a vida, estes é que são os amigos de verdade. Para completar aquela ocasião memorável, uma suave brisa atenuava o calor daquela noite morna de começo de um verão fora de época, como um convite perfeito para sentar-se ao ar livre ao redor de uma mesa servida de comida honesta e bebida à vontade, na companhia de amigos que me conheciam desde pequeno, para recordar dos velhos tempos. O local do encontro era o Mariposa do Shopping Boulevard 161.

Cheguei meia hora adiantado, como de costume, e, para matar o tempo, fui olhar vitrines. Enquanto passeava distraído, percebi uma animada música de festa vinda do andar superior através de uma sacada acima de onde eu me encontrava. Não resistindo à minha natureza curiosa, fui até lá dar uma bisbilhotada. Para quem não conhece, o Boulevard 161 é um pequeno e agradável shopping de bairro de tijolo aparente de apenas dois pavimentos, com imensas arcadas que permitem a iluminação e a ventilação natural, uma vez que suas vias internas não são ar-refrigeradas. Usei o elevador para chegar até o andar de cima. Ao sair do cubículo, avistei um pequeno grupo de pessoas elegantemente vestidas em frente a uma loja. Aproximei-me cauteloso para não chamar a atenção. Eis que surgiu logo à minha frente um garçom equilibrando numa mão uma bandeja cheia de longos copos com gelo e na outra, segurava firme uma garrafa de vodca.

—É servido? — ofereceu polidamente com ar solene.

Dei um largo sorriso e assenti com a cabeça. E por que não? Uma dose de álcool faria-me chegar a meu encontro já com o espírito festivo. Logo em seguida, lá estava eu com um copo de vodca importada na mão bebericando. Nem bem dei o primeiro gole e uma bandeja de canapés de camarão surgiu à minha frente, carregada por outro garçom que parecia já ter tomado quatro dozes daquela mesma vodca. Dei outro sorriso e bati com a cabeça. Não vou negar que gosto muito de camarão. Ainda mais camarões de coquetel, são graúdos. Estes eram enormes, pareciam ter vindo de um daqueles arquipélagos na Polinésia, onde super-potências fazem testes de bombas nucleares! Dei uma mordida, estava ótimo. Senti-me radiante, desculpa o trocadilho. Dei uma volta pelo ambiente e não descobri do que se tratava o vento. Camarão? Aceitei outro canapé e fui logo surpreendido por uma taça de champanhe. Não sou fã de champanhe, mas não recusei a oferta. Afinal, champanhe é sempre champanhe numa festa fina. Na verdade, minha preferência sempre é uma generosa dose de uísque. Mal pensei no assunto e surgiu outro garçom com copos cintilantes e uma garrafa de Bala 8 à minha frente. Aceitei um copo candidamente. Mas eu ainda não tinha a menor idéia do que se travava aquele coquetel e nem isso me importava, desde que meu copo estivesse sempre cheio. Eu bem poderia perguntar a um dos garçons, mas isto seria fácil demais. Preferi observar e descobrir por mim mesmo o que estavam festejando.

Esta invasão em festa alheia me fez lembrar-se de um certo camarada português que eu costumava encontrar em ocasiões como aquela, há muito tempo atrás. Não recordo o seu nome e duvido que ele alguma vez o tenha dito ou eu lhe perguntado. Naquela época, eu tinha o hábito de comparecer aos convites que recebia para coquetéis de todo o tipo de evento, exposições de arte, lançamento de livros, datas comemorativas, o que fosse. Era aquele tipo de evento impessoal que acredito que mesmo quem o estivesse promovendo, conhecesse todos os seus convidados. Eu era um verdadeiro rato de festa. Não era raro eu sair de um coquetel para ir o outro. Era uma peregrinação etílica e gastronômica que eu cumpria com redobrado prazer. Foi assim que conheci este personagem, uma vez que ele coincidentemente comparecia aos mesmos eventos. Eu, no entanto, ia de convidado e ele, de penetra! Nossos encontros freqüentes nos levaram a conversar casualmente. Percebi que ele tinha um verdadeiro apetite pelos acepipes, embora eu devo confessar que a maioria daquelas festas primavam pela fartura. Eu sempre o encontrava de boca cheia e com um copo na mão, parecia que era sua marca registrada. Percebi que ele mal conhecia ou tentava conversar com os outros convidados e, por isso, ficava feliz quando eu lhe dava atenção. Até hoje eu não faço idéia de como ele tomava conhecimento de todos aqueles eventos e dava um jeito de estar presente a todos eles mesmo sem ser convidado. Quando eu chegava, lá já estava ele. Ao me ver, vinha me cumprimentar.

— Olha, o croquete de camarão está meio borrachudo, mas as empadas estão boas. — informava-me logo de cara.

— Este uísque está meio suspeito. — acrescentava fazendo uma discreta careta.

Não devo negar que suas informações eram relevantes e poupavam-me frustrações. Nada mais desagradável para um paladar refinado do que por na boca um uísque de terceira categoria. Embora eu soubesse que ele sempre entrava nas festas sem ser convidado, jamais me atrevi a perguntar-lhe como tomava conhecimento delas se não recebia convites. Talvez o penetra de festa profissional tenha uma rede de informações que o põe a par de todas as bocas-livres da semana. Nem o Pentágono ou a CIA seriam tão bem informados.

Um dia, resolvi não ir a um dos convites. Depois não fui a outro e mais outro, e não demorei muito a não ir mais a nenhum deles. E como eu já previra, nunca ninguém jamais deu a menor falta da minha pessoa. Deixei de ser mais uma cabeça para fazer número em coquetéis daquele tipo, tão impessoais. Na verdade, eu já estava ficando surdo de ouvir tanta conversa chata. Certo dia, recebi um telefonema de um querido amigo, avisava que iria lançar mais um livro e que o meu já estava reservado. Embora ele não me pedisse para ir ao lançamento, fui assim mesmo, para lhe fazer esta surpresa e demonstração de apreço. Ao entrar no pátio do local onde aconteceria o lançamento, eis que surge à minha frente outro se não o português penetra e rato de festas. Estava mais velho e mais gordo. Fazia mais de dez anos que eu não o via.

— Rapaz, você sumiu! Que saudades, por onde tem andado? — perguntou com um acarajé na mão.

Salvador, 7 de dezembro de 2009.






Um comentário:

Priscila disse...

Que sujeito esperto este rato de festa. Fiquei curiosa para saber como ele descobria estes eventos. Quem sabe não era amigo de algum jornalista de caderno de cultura? Fiquei curiosa tb sobre o evento que tu acabou indo sem querer, seria a inauguração de que tipo de loja?