quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Comoção

Esses dias, lembrei muito de um colega de escola, um garoto italiano. Não me recordo seu nome, infelizmente. Mas lembro de seu olhar triste e de sua dificuldade em aprender as coisas, principalmente porque ele mal falava o inglês — eu morava, então, numa cidadezinha próxima a Nova York. Sua tristeza não era para menos, explicou-me a nossa professora de inglês, a Mrs. Taub, a sua cidade na Itália tinha sido sacudida por um terrível terremoto. Sua casa foi abaixo e sua família inteira morta como milhares de tantas outras pessoas. A cidade de Nápoles fora toda destruída. Fiquei tentando imaginar quanto sofrimento deve ter passado aquele garoto, perder assim de modo tão trágico toda a sua família de uma só vez e não ter mais onde morar. Os parentes mais próximos que lhe restaram moravam nos Estados Unidos, para onde ele emigrou, na esperança de recomeçar vida nova e curar as suas feridas. E esta foi, provavelmente, a experiência mais próxima que já tive de uma tragédia como aquela. Meu coleguinha era um sobrevivente de uma tragédia.

Ao ver pela TV as dramáticas notícias vindas do Haiti, imagens de cores ainda tão frescas nas quais pessoas ainda respiravam sob os escombros dos prédios desabados, ou eram heroicamente resgatadas, me veio à memória a lembrança daquele coleguinha italiano. Ele deve ter vivido um inferno semelhante àquele, pensei. O Haiti virou pó. O mundo inteiro correu para acudir aquela miserável ilha do Caribe, castigada pelo sacolejo da natureza. A solidariedade mundial provou que ainda não é o fim do mundo e pessoas ainda se sensibilizam com os infortúnios alheios. Até o Brasil impressionou pela rapidez e prontidão. Acostumados a ver nossos governantes agirem com tamanho distanciamento frente às nossas próprias catástrofes, afinal eles não devem ir nos locais onde o povo está sofrendo, para não se exporem a cobranças desagradáveis que os possa constranger, reza o manual do bom político. Melhor ficar de longe e fingir-se de morto até a poeira baixar. Aparecer por lá só depois, para fazer um monte de promessas e aguardar os dividendos políticos até o resultado das próximas eleições. Na catástrofe do Haiti, no entanto, o nosso presidente agiu corretamente ao oferecer ajuda. Logo de manhã cedo, ainda de pijamas, ligava para os quatro cantos do mundo exortando os mais ricos a se unirem ao Brasil, como se o Brasil fosse uma grande potência com recursos sobrando, na campanha para socorrer nossos irmãos haitianos. Isso foi bonito. No entanto, gostaríamos que ele demonstrasse a mesma disposição e solidariedade todas as vezes que os brasileiros fossem acometidos de catástrofes e acidentes trágicos. Mesmo que ele estivesse fazendo uma de suas indispensáveis viagens ao exterior, cancelasse tudo e voltasse ao Brasil correndo, pois seu povo precisava de sua presença. Sabe, aquela situação na qual um amigo ou um parente foi parar na emergência do hospital e, mesmo sem podermos fazer lá grande coisa por ele além de rezar, fazemo-nos presentes para prestarmos solidariedade aos familiares? Pois bem, era isso que gostaríamos que nossos governantes fizessem. Esperamos que nossos governantes sejam bons não apenas nos índices econômicos e realizações, mas, também de serem capazes de demonstrar um mínimo de solidariedade nos momentos de comoção.

Tudo isso me faz lembrar, também, que o Brasil deseja muito ter notoriedade internacional como algum tipo de potência influente no mundo. Nosso governo tenta há anos obter um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. São ações de grande visibilidade como esta como a do Haiti que o Brasil julga serem importantes para ter seu ingresso garantido nesse restrito clube. Eu espero apenas que o gesto de socorro ao Haiti não tenha sido movido por outro interesse que não o da solidariedade.

Rio Vermelho, 8 de fevereiro de 2010.

Um comentário:

Sarnelli disse...

Assino em baixo, Cristiano !