quarta-feira, 16 de junho de 2010

Dias com cara de inverno europeu.

Os dias andam com aquela cara de inverno europeu aqui no Rio Vermelho. A temperatura é gostosa como em ar de Shopping Center e o dia é cinzento, mas quase não chove. E quando chove é aquele caos de sempre, água por todos os lados e congestionamentos que nunca terminam. A chuva é uma aporrinhação em cidade grande, mas uma benção no campo.

Tinha uns dez anos quando fui passar as férias numa fazenda no cafundó do Judas, lá no interior do Ceará. Meus pais não tinham dinheiro para irmos passear na Disney, e o melhor que podiam oferecer era uma estadia em plena seca do sertão nordestino! O lugar, apesar de bonito, pitoresco e cheio de bichos de fazenda, não chovia há meses, para aflição do fazendeiro amigo e compadre do papai. Só no que se falava todos os dias era na bendita falta de chuva, e até eu comecei a ficar preocupado com aquilo. O único açude da fazenda tinha uma água verde lodosa quase já mostrando o fundo do poço. Era uma situação de romance a la Graciliano, só faltava a cachorra Baleia. Tinha dias que assistíamos, com a mão no coração, a chuva se aproximando no horizonte, vindo forte com toda força e parando na fazenda vizinha! Parecia coisa de maldição. Finalmente um dia ela atravessou a cerca do vizinho e fez agente fazer a festa. Nunca vi tanta alegria por causa de uma chuva. Nunca vi tanta fartura de água e pingos tão grossos. Todo mundo foi para lado de fora tomar banho de chuva. Os empregados, os filhos dos empregados, os anfitriões, meus pais, e, é claro, até eu mesmo. O chão batido em frente à sede da fazenda logo virou lama e ninguém se importava em se sujar. Pulávamos e gritávamos de alegria com os braços estendidos para o céu e com o rosto virado para cima levando água na cara. Foi um dia para se lembrar por toda a vida.

    Nós tínhamos uma empregada que morava aqui em casa e que tinha o mesmo nome de minha mãe, Alice. De modo todos aqui em casa a chamávamos de dona Alice. Ela namorava um camarada que quase todo dia ligava aqui em casa procurando por ela. E quando acontecia de meu pai atender ao telefone e o homem do outro lado da linha perguntava por dona Alice, meu pai lhe perguntava, 'você quer falar com a minha ou com a sua?' Pois bem, a dona Alice era uma daquelas pessoas intuitivas que olhava para o céu e dizia se ia chover ou não. Eu não saía para a rua sem um guarda chuva sem antes consulta-la sobre o tempo. Ela dava uma chegada até o quintal olhava para o céu e dava seu prognóstico. Nunca errou. Tinha dias de sol que ela ia até o quintal e recolhia toda a roupa do varal dizendo que ia chover. Minutos depois, caía um pé d'água!

    Personagens que possuem a habilidade de fazer, sem nenhum conhecimento cientifico, a previsão do tempo não são raros. Alguns sabem se vai chover ou não apenas apalpando as costelas. Outros sentem um frio na ponta do nariz em dia de chuva. Seu Brasilianino, um caboco da roça, tinha lá os seus dotes também. Ao questioná-lo se iria chover, ele olhava pensativo para o céu e depois com olhar grave respondia, 'seu Cristiano, ou chove ou não chove'!

Rio Vermelho, 15 de junho de 2010.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

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Estórias para quem tem pouco tempo.

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Valeu!

O caso do sofá italiano.

João dos Prazeres foi maquinista da Leste Brasileiro até se aposentar. Se dependesse dele, passaria o resto da vida dentro de uma locomotiva, puxando vagões de carga e passageiros mundo afora. Como ele amava ser maquinista, sentia-se um homem livre sobre os trilhos quebrando fronteiras. Desde meninote quis ser maquinista, então você pode imaginar como ele se sentia um homem realizado.

Quando a aposentadoria veio finalmente, ele não achou que isso fosse o fim do mundo, ao contrário, resolveu que também já era hora de aprender a gostar de fazer outras coisas, teria novas experiências, ainda que longe dos trilhos. Em seu primeiro dia gozando da sua nova vida, foi até a Conceição da Praia, no Comercio, e comprou uma vara de bambu novinha, alguns anzóis, linha e um molinete. Sempre quis pescar. Ali do lado da igreja de Santana, aqui no Rio Vermelho, sempre via uma turma de homens nas pedras jogando os anzóis. Não sabia manejar uma vara, mas imaginou que deveria ser mais simples que conduzir um trem. Juntou-se ao grupo. Foi bem recebido.

João morava com a esposa Maria Rita numa bela casinha em São Gonçalo. Para quem não sabe, São Gonçalo é aquela parte do Rio Vermelho que fica acima, subindo a ladeira ao lado do Colégio Medalha Milagrosa. Um lugar cheio de casinhas que lembra uma cidade do interior. Ele se orgulhava de ter de tudo em sua casa. 'Comprei tudo lá em casa pagando fiado. Adoro comprar fiado! Olhe, eu gosto é de comprar fiado.' Dizia com um largo sorriso de satisfação. João era um cara bem-apessoado e grande prosador. Seduzia as pessoas com o seu sorriso fácil e talvez fosse esse seu jeito amigável que fazia com que os comerciantes confiassem nele para fazer negócios.

'Minha ultima aquisição foi antes de eu me aposentar; comprei um sofá italiano na mão do judeu.' Disse satisfeito. 'Como é macio aquele sofá, dá vontade de sentar e não se levantar mais. Minha mulher é que fica implicando. Toda vez que me vê sentado no sofá grita da cozinha: 'Sai daí, João. Este é o sofá das visitas.' Temos outro sofá mais velho, mas é duro e desconfortável.' Deu uma risada gostosa e balançou a cabeça. 'Mas não tem jeito, todo dia eu sento lá um pouquinho. Eu chego da rua cansado, sabe, tomo aquele banho. Passo um talquinho, uma colônia, visto uma roupa limpinha e vou direto sentar no sofá novo. Não tem coisa mais gostosa do quer sentar naquele sofá pra descansar as pernas. Eu não sei do que aquele diacho é feito, mas que é macio e confortável, isso lá ele é. Minha velha quer que aquele sofá seja só pras visitas, veja se isso tem cabimento. Visita tem de sentar é em cadeira dura, pra não demorar muito na visita! Um sofá bom daqueles deixar só pras visitas, é um desproposito. Olha, eu vou ter uma conversa com minha velha, isso não está certo. Agente é que tem de gozar do sofá. Ela tem de compreender que agente merece esse prazer.'

Um dia João veio da pescaria. O sambaqui vazio. Os peixes pareciam que não gostavam de iniciantes. Puro preconceito. Ele foi lá nos fundos guardar suas coisas. Depois foi tomar seu banho, vestiu roupa limpa e foi para o dito sofá. A velha não gostou de vê-lo lá sentado, já estava perdendo a paciência com aquela insistência. João parecia criança, tinha de falar a mesma coisa todo santo dia. 'João, o que foi que eu disse? Deixa este sofá pras visitas, meu velho.' Falou docemente. Maria Rita nunca foi de levantar a voz.

Mas daquela vez o João achou que já era hora de ter aquela conversinha. Iria falar com jeito, explicar tudo direitinho, e no final ela lhe daria a razão. 'Vem cá minha velha, vamos conversar um pouquinho.' Maria Rita foi até a sala. 'Qui'é João, não tá vendo que ainda tô preparando o almoço? Fale logo, meu velho.' João continuava sentado no sofá e falou-lhe baixinho e dengoso puxando-lhe pela mão para que sentasse. 'Venha cá, sente aqui comigo. Sinta como este sofá é macio.' Maria Rita sentou-se ao seu lado desconfiada. 'Eu sei que é macio, João, por isso mesmo fica pras visitas. Eu quero que as pessoas saiam daqui com boa impressão de nossa casinha.' João colocou o forte braço ao seu redor apertando-a, como nos tempos que fazia quando namoravam na casa dos pais dela. O pai ficava na outra sala fingindo que lia o jornal e tossia vez por outra para lembrá-los que ele estava ali de olho. Ele foi alisando as costas dela. Deu-lhe um beijo no pescoço. 'Deixe disso João, eu tenho o que fazer.' João enfiou a mão entre as coxas dela e apertou-lhe a buceta. 'Uai, pare com isso João. Deixe de ósadia.' João nem dava ouvidos, parecia que o demônio tinha tomado conta dele. Foi apalpando Maria Rita e sufocando-lhe de beijos e ela, sob protestos, foi dando-se por vencida. João deitou-a no sofá italiano e comeu-la. Ele tava retado mesmo naquele dia, deu duas; uma seguida da outra. Maria Rita ficou tonta, quase não acertou o caminha de volta para a cozinha.

João chegou da rua de sua pescaria mais cedo que de costume, no dia seguinte. Cumpriu o seu ritual. Banho, roupa limpa e sofá. Maria Rita desta vez não implicou. Lembrou-se do dia anterior e calou. 'Maria Rita, chegue aqui.' Maria Rita foi. João mostrou-lhe como eles poderiam aproveitar melhor aquele sofá italiano mais do que as vistas. Mostrou a ela a outras utilidades do braço do sofá. 'Assim não, meu velho, isso ai é pecado, ui, ui! Misericórdia, mas que homem safado!' Deu uma gargalhada.

No dia seguinte, quando veio da rua, João notou uma colcha de pano bonita cobrindo o sofá. 'Minha velha, deixa o meu prato no forno que eu vou ali na pracinha jogar uma partida de dominó que os meninos estão me esperando.' Saiu depois do banho. Maria Rita ficou intrigada. No dia seguinte, João também não foi no sofá. Desta vez foi concertar a torneira do tanque que Maria Rita se queixava fazia duas semanas. Almoçou e foi se deitar. 'Será que meu velho desistiu do sofá?' Matutou Maria Rita.

No outro dia, João veio da rua com sua vara e anzóis e foi tomar seu banho. Talquinho, roupa limpa. Ao sair do quarto, Maria Rita estava sentada no sofá italiano esperando por ele. 'Meu velho, chegue aqui.' Disse com um olhar languido.

Rio Vermelho, 1º. de junho de 2010.