Os dias andam com aquela cara de inverno europeu aqui no Rio Vermelho. A temperatura é gostosa como em ar de Shopping Center e o dia é cinzento, mas quase não chove. E quando chove é aquele caos de sempre, água por todos os lados e congestionamentos que nunca terminam. A chuva é uma aporrinhação em cidade grande, mas uma benção no campo.
Tinha uns dez anos quando fui passar as férias numa fazenda no cafundó do Judas, lá no interior do Ceará. Meus pais não tinham dinheiro para irmos passear na Disney, e o melhor que podiam oferecer era uma estadia em plena seca do sertão nordestino! O lugar, apesar de bonito, pitoresco e cheio de bichos de fazenda, não chovia há meses, para aflição do fazendeiro amigo e compadre do papai. Só no que se falava todos os dias era na bendita falta de chuva, e até eu comecei a ficar preocupado com aquilo. O único açude da fazenda tinha uma água verde lodosa quase já mostrando o fundo do poço. Era uma situação de romance a la Graciliano, só faltava a cachorra Baleia. Tinha dias que assistíamos, com a mão no coração, a chuva se aproximando no horizonte, vindo forte com toda força e parando na fazenda vizinha! Parecia coisa de maldição. Finalmente um dia ela atravessou a cerca do vizinho e fez agente fazer a festa. Nunca vi tanta alegria por causa de uma chuva. Nunca vi tanta fartura de água e pingos tão grossos. Todo mundo foi para lado de fora tomar banho de chuva. Os empregados, os filhos dos empregados, os anfitriões, meus pais, e, é claro, até eu mesmo. O chão batido em frente à sede da fazenda logo virou lama e ninguém se importava em se sujar. Pulávamos e gritávamos de alegria com os braços estendidos para o céu e com o rosto virado para cima levando água na cara. Foi um dia para se lembrar por toda a vida.
Nós tínhamos uma empregada que morava aqui em casa e que tinha o mesmo nome de minha mãe, Alice. De modo todos aqui em casa a chamávamos de dona Alice. Ela namorava um camarada que quase todo dia ligava aqui em casa procurando por ela. E quando acontecia de meu pai atender ao telefone e o homem do outro lado da linha perguntava por dona Alice, meu pai lhe perguntava, 'você quer falar com a minha ou com a sua?' Pois bem, a dona Alice era uma daquelas pessoas intuitivas que olhava para o céu e dizia se ia chover ou não. Eu não saía para a rua sem um guarda chuva sem antes consulta-la sobre o tempo. Ela dava uma chegada até o quintal olhava para o céu e dava seu prognóstico. Nunca errou. Tinha dias de sol que ela ia até o quintal e recolhia toda a roupa do varal dizendo que ia chover. Minutos depois, caía um pé d'água!
Personagens que possuem a habilidade de fazer, sem nenhum conhecimento cientifico, a previsão do tempo não são raros. Alguns sabem se vai chover ou não apenas apalpando as costelas. Outros sentem um frio na ponta do nariz em dia de chuva. Seu Brasilianino, um caboco da roça, tinha lá os seus dotes também. Ao questioná-lo se iria chover, ele olhava pensativo para o céu e depois com olhar grave respondia, 'seu Cristiano, ou chove ou não chove'!
Rio Vermelho, 15 de junho de 2010.
2 comentários:
Passei pelo seu blog para ver o que tinha escrito dessa vez. Como sempre, um conto leve retratando a realidade do cabloclo lá do jeb, jeb , sempre rezando para que chova um pouquinho e que a chuva nunca pare na cerca do vizinho. Gosto da maneira leve como escreve . Até alivia a imaginação e faz com que o sofrimento do caboclo não seja tão terrível assim ...
Bacana o texto, mais uma vez me identifiquei com o texto; eu filha de sertanejos conheço bem essa realidade, por isso tenho na minha veia a consciência ecológica de respeito a água. Só quem já vivenciou a seca sabe dar valor a água e indignar se com o desperdício. Abraço
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