Voltei ao Rio depois de longa ausência. Vim passear. Uma amiga de infância, que não via desde a infância, ai você pode imaginar quanto tempo não nos víamos, gentilmente ofereceu-me o seu confortável sofá cama para pouso. Fiquei instalado no escritório de seu apartamento numa rua tranquila, no Flamengo. Me senti em casa, rodeado de bons livros e boa música. O Rio de Janeiro continua lindo, enquanto a velha Salvador cai aos pedaços, abandonada por quem deveria se cuidar dela.
O voo até o Rio foi muito rápido, como geralmente são todos os voos de avião, e graças a Deus não foi preciso parar no meio do caminho para abastecer, calibrar pneus ou ir ao toalete. O avião pousou no Santos Dumont antes do prometido pela empresa aérea, que é de propriedade de um pastor mórmon, o que me fez concluir que a palavra de Deus tem lá mesmo os seus poderes. Outra amiga de infância já me aguardava lá no desembarque com um caloroso abraço e me levar de carro a meu destino. É mera coincidência o fato de duas amigas de infância morarem no Rio, mas cresci e me criei em outro Rio, que é o Vermelho, embora eu tenha morado na capital carioca algum tempo atrás, sem que ela nunca tivesse abandonado meus pensamentos. É bacana reencontrar amigos de infância depois de tanto tempo sem se ver, ai agente percebe que, fora estarmos mais gordos e encarquilhados, continuamos as mesmas crianças de sempre. Pensando bem, as amizades dos tempos de criança são as mais genuínas, plantadas na inocência da infância, e puras de preconceitos ou de interesses, por isso duram tanto.
Pois bem, do aeroporto fui deixado em minha morada temporária na Rua Paissandu, no Flamengo. É uma rua comprida de mão única em linha reta, ladeada por duas extensas fileiras de centenárias palmeiras imperiais, plantadas em cada lado do passeio. Inicia-se em frente ao palácio Guanabara e vai morrer na praia. Outrora, o palácio serviu de residência para a princesa Isabel e sua família e, em frente a este, foi aberta a Rua Paissandu, para que a monarca pudesse ir tomar seu banho de mar sem precisar dar tantas voltas. As palmeiras imperiais, portanto, remetem àquela época, foram plantadas ali para dar um ar de majestade ao caminho da princesa. No lugar das antigas mansões aristocráticas que existiam ladeando a rua, foram construídos modernos prédios de apartamento, mas ainda assim, a rua conserva o seu antigo charme e sossego. Fazia um frio agradável naquela tarde, mas não o bastante para eu por um agasalho. A rua, como, aliás, toda zona sul do Rio, recendia suavemente a gás encanado.
Eram pouco depois das duas da tarde quando cheguei em casa e mal pus a mala no chão, sai para comer de tão faminto que estava, uma vez que havia passado a biscoito e água no voo do pastor. Quem ai já comeu filé-mignon e tomou vinho francês em voo domestico, sabe bem do que estou falando. Lembrei que a poucas quadras dali, em frente ao Largo do Machado, havia, na Galeria Condor, dois restaurantes de comidas árabes. Já havia decidido qual seria o meu primeiro almoço no Rio.
As comidas árabes merecem a sua fama. Quando bem feitas, e quase sempre o são, são de lamber os beiços. Parei no primeiro árabe que encontrei na Galeria Condor. Era um restaurante de esquina com um balcão de vidro em forma de "u" e sobre o qual se debruçavam dezenas de comedores de quibes, esfirras, charutos de repolho e outras delícias. Come-se ali de pé, não há mesas para sentar e esperar, até porque o serviço é tão rápido que nem dá tempo de esquentar a cadeira. O garçom anota o pedido com uma mão e com a outra o põe à sua frente. Sua agilidade faz com que as pessoas comam mais e saiam satisfeitas e, é lógico, o dono do estabelecimento é que agradece. Ali não há chance para a irritante e folclórica malemolência baiana. Estes garçons sabem que não estão fazendo nenhum favor, e sim prestando um serviço. Pedi, falando lerdo feito um baiano, duas esfirras de carne e um suco de manga que era grosso feito um milk shake. Mal recobrei o fôlego pelo esforço feito, surgiu à minha frente, num pires branco, duas esfirras e o suco.
Para quem nunca viu ou provou das esfirras cariocas, acredite, elas são deliciosas e diferentes de minhas conterrâneas baianas. Elas são semelhantes em forma, triangular, mas não possuem aquele miolo de pão, isto porque sua massa não cresce ao ir ao forno, o que as torna leves e nos dá vontade de comer sempre outra. Comi e fui dar uma volta pelas redondezas, observando o movimento daquela parte da cidade que é uma mistura de zona comercial e residencial com prédios modernos e antigos.
Vim sozinho ao Rio. Muitas pessoas não gostam de viajar desacompanhadas, especialmente quando se trata de viagem de lazer como esta que estou fazendo. Sentem-se envergonhadas de ter de sentar sozinhas na mesa de um restaurante e fazer um pedido. Como sou eu mesmo que geralmente pago a minha conta ao final da refeição, não vejo pecado algum em comer sozinho. Uma certa amiga, que anda sofrendo de solidão aguda por não ter encontrado ainda o homem de sua vida, sonha um dia ir à romântica Veneza. Poderia fazer isto agora mesmo se quisesse, pois, grana é o que não lhe falta. Mas é que ela só quer ir à cidade das gôndolas com a pessoa amada, assim como a donzela que se resguarda para o dia em que encontrar seu príncipe encantado. Vai logo, sua boba, eu lhe disse, há centenas de cidades românticas pelo mundo afora. Mas, e se eu estiver lá em Veneza e ver uma coisa linda? Pra quem é que eu vou dizer 'que coisa linda!', se eu estiver sozinha? Ora, menina, você vê com os seus olhos e sente com o seu coração, respondi. Além do mais, pode acontecer de o seu príncipe encantado ficar mais emocionado ao ver um boi no pasto do que olhar para a insossa Ponte dos Suspiros!
Rua Paissandu, 21 de setembro de 2010.
Um comentário:
Conhecendo-o como conheço, e me parece que bem, vejo no seu escrito, a sua figura calma sem pressa para ir lugar algum...
Vejo-o sorvendo aquele suco de manga pastoso com tanta avidêz que não combina com a sua personalidade um pouco inspirada o nosso saudoso Caymmi . E as esfihas, quantas foram e em quanto tempo você as fez desaparecer da paisagem ?
Viajar a pão e água não é mole não. Me recordo das antigas companhias como a VARIG , CRUSEIRO, SADIA E outras, que nos ofereciam, em qualquer trajeto, refeições quentes regadas a cerveja, vinhos e refrigerantes, com direito a levar a louça no desembarque, como souvenir...
Hoje, logo após a decolagem você recebe uma barrinha de cereal e um pacotinho de amendoim de 15 gramas. O curioso e o que eu me pergunto é como eles sabem que precisamos do amendoim ?... Pior ainda: para que tanto amendoim , 15 gramas não seria uma over-dose ?
Me lembro, ainda, das minhas primeiras viagens nos DOUGLAS ( dc-3) nos quais, ao acessá-lo, por uma escadinha de 4 ou 5 degraus, você recebia um kit com o seu lanche e uns saquinhos brancos que eu não me lembro para o que serviam. É verdade que os aviões sofriam muitas quedas nos vácuos...Talvez, aí, o motivo dos saquinhos.
Ainda eram aqueles tipos que ficavam parados no pátio com o rabo no chão, apoiado por apenas uma rodinha...
Ainda bem que aproveitou a viagem . Espero que tenha mais coisas para contar, mas fora do ar...
No Rio, você teve quem retirasse a bagagem desacompanhada no aeroporto, mas na vota, quém foi apanhá-lo na esteira rolante ?...
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