Feliz o Sr. JR, um próspero comerciante aqui do bairro, um bem sucedido proprietário de uma loja, uma venda de frutas e verduras frescas, e pai de duas belas filhas que lhe ajudam, e como ajudam, no negócio familiar. O Sr. JR, além de ser um homem muito trabalhador é também um fiel seguidor da palavra do Senhor e, por isso, tem no Livro Sagrado os ensinamentos que conduzem a sua vida pelos caminhos da moral e dos bons costumes.
Mas, no início, o seu negócio passou por uma provação. Apesar de todas aquelas suas qualidades morais, carecia ao Sr. JR o refinamento no trato com o público. Não que ele fosse um homem grosseiro, isto ele não era, ao contrário, ele tratava sua clientela com educação, mas é que lhe faltava uma certa simpatia que a seduzisse a voltar ao seu estabelecimento mais vezes. Expressões tão mundanas e civilizadas como "bom dia!" e "obrigado e volte sempre" parecia não fazer parte de seu restrito repertório, que se resumia a informar ao cliente o valor total da compra ou emitir grunhidos em lugar de palavras, só abria a boca para falar quando inquirido. Tanto refinamento assim foi afastando aos poucos sua clientela, que preferia comprar em outra venda não muito longe dali e que, apesar de não oferecer à sua freguesia tanta variedade e qualidade, tinha em seu proprietário toda a dose de simpatia de que necessitavam para tornar o seu dia um lindo dia. E assim, o Sr. JR viu a sua clientela minguar aos poucos sem, no entanto, saber qual o motivo daquela debandada.
Certo dia, o Sr. JR achou por bem chamar as suas duas belas filhas para trabalhar com ele na loja, convencido que estava de que seu revés relacionava-se à falta de ajudantes e não à sua completa falta de polidez a qual ele era incapaz de perceber, obviamente. As moças, que eram estudantes universitárias e levavam o estudo muito a sério, se revezavam na loja, de modo que uma ajudava o pai no período da manhã e a outra pela tarde. Havia, porém, um aspecto sobre um dom nato daquelas moças que chamava atenção. Elas eram duas mulatas deliciosas como manga roubada no quintal do vizinho, dos beiços carnudos e de modos lascivos, sem, no entanto, o pretenderem. Elas atraiam inconscientemente os olhares cobiçosos dos homens com seus formosos corpos que o Criador, generosamente, arranjou para abrigar as suas almas. Aquele seu jeito parecia uma coisa natural de berço, que a sua religião rígida não lhes permitia tais libertinagens. Seus bem talhados corpos eram verdadeira tentação, pois possuíam seios que não eram nem minguados ou fartos, na proporção exata, e que de tão duros como coco seco, espetavam a fina blusa de malha justa dando a impressão que a qualquer instante pulariam para fora. A bunda, esta sim, era um capítulo à parte. Cada banda era do formato de uma melancia, amparadas por um par de coxas roliças como berinjelas e agasalhadas por minúsculos shortinhos de pano fino que pareciam não dar conta de conte-las. Era assim que se vestiam diariamente e despretensiosamente para irem ajudar o querido pai na loja. O pai não aprovava aquele tipo de roupa, que considerava ser indecente, mas não dizia nada, pois, a final, as filhas eram mulheres adultas universitárias e não cabia mais a ele dizer-lhes o que vestir, e nem elas viam nenhum mal naquilo. Aquelas duas presenças divinas na quitanda paterna faziam o jiló ficar açucarado e o alface ser mais que uma folha insípida.
Cedo, a ajuda das filhas provou-se eficaz, não só porque o Sr. JR pôde economizar algum dinheiro ao não contratar ajuda externa, como também as duas filhas se mostraram excelentes em atrair nova freguesia apesar de que, semelhante ao pai, e talvez de forma mais branda, elas estivessem longe de ganhar qualquer concurso de Miss Simpatia. Elas simplesmente não eram de dispensar sorrisos fáceis ou de conversa fiada. Em compensação, seus corpos tentadores e suas indumentárias justíssimas nas carnes e econômicas nos panos, atraiam para dentro do estabelecimento uma clientela assídua de marmanjos que se comprazia em escolher demoradamente molhos de temperos ou meia dúzia de frutas. Mas tal frequência não incomodava as moças, que eram rápidas e se movimentavam de um lado para o outro da loja remexendo aqueles quadris ou se abaixando ou se esticando para pegar mercadorias em prateleiras rentes ao chão ou acima de suas cabeças, oferecendo um espetáculo de encher os olhos de gula, arrancar suspiros e até de levantar defunto! O pai, por sua vez, só tinha os olhos para o movimento do caixa, que se resumia num pequeno saco plástico cheio com notas de dinheiro dobradas e moedas que tirava e metia de volta no bolso conforme a necessidade.
Como o trabalho árduo traz seus bons frutos, não demorou muito até que a clientela voltasse a encher a loja como nos bons tempos de fartura. No entanto, desta vez, esta se compunha desmedidamente de homens; homens de todos os tipos, velhos, jovens, trabalhadores, aposentados bonitos e feios, gordos e magros. Mesmo assim, o Sr. JR estava tão feliz com a melhora dos negócios que não deu importância àquele detalhe. Contudo, satisfeito com o retorno da saúde de sua loja, não demorou muito até que mandasse as filhas de volta para casa, para que se dedicassem aos estudos e, também, porque não as queria se expondo mais àquela corja de homens. Substituiu a ajuda das agradáveis filhas por um funcionário de tempo integral uma vez que já podia pagar por ele. Contratou, portanto, uma moça da mesma idade das filhas e que frequentava a mesma igreja que a sua.
Embora a moça contratada não tivesse os mesmos dotes físicos que as suas filhas, no quesito simpatia, se mostrava mais qualificada que elas e, também, ao contrario das filhas, era mais comedida em sua indumentária de trabalho, indo para o serviço vestindo uma blusa antiquada que lhe cobria quase à altura do pescoço, mas que lhe deixava à mostra os gordos braços. Usava, também, uma saia azul de tecido grosso que chegava até quase ao tornozelo. Seus longos cabelos negros eram presos no alto da cabeça por um coque, lembrando a avó de alguém. De imediato, a clientela sentiu aquela brusca mudança no staff da loja como uma traição. Subitamente, para a marmanjada, comprar frutas, verduras e hortaliças já não era assim mais tão agradável. E, mais uma vez, a clientela foi batendo em retirada. Quando inquirido sobre suas filhas, o comerciante respondia vagamente que elas estavam em casa estudando. Desapontados, os homens não mais voltavam.
Não demorou muito até que a situação da loja voltasse aos tempos de penúria, e para que o Sr. JR percebesse, desapontado, que ao final do dia, o seu saco de dinheiro estava minguado. Isto o fez matutar para encontrar o erro. Coçou a cabeça andando de um lado ao outro da loja e terminou se rendendo aos fatos que preferira nega-los. Chamou suas duas meninas e seus shortinhos mais uma vez para o trabalho e dispensou a recatada ajudante. Agora sim, a loja vai bem, obrigado. Este é um daqueles casos que negam o bom senso e comprovam o pragmatismo nos negócios, ao usar a carne como isca para atrair a freguesia para dentro de uma loja de vegetais, ainda que os prazeres da carne contrariem as Palavras Sagradas. Nunca o Sr. JR nunca imaginara que para vender mais frutas e verduras teria, também, de mostrar um pouco de carne!
Rio Vermelho, 11 de novembro de 2010.