A minha feiura é extrema e a tal ponto de meus olhos se recusarem a acreditar no que estão vendo e, não é à toa que quase nunca me olho ao espelho, para não ter de encara-la todo santo dia. Ela chega a ser antiecológica e, por isso, vivo com o temor de ser multado pelo IBAMA por agressão ao meio ambiente. Entretanto, eu jamais moveria um único dedo para modificar este meu flagelo, sob pena de eu me transformar em outra pessoa ou num embuste. Ele faz parte da minha historia de vida e identidade, não tenho como reescreve-la. Seria como tentar apagar o meu passado, quando muito, eu conseguiria empurrá-lo para debaixo do tapete, mas como não sou nenhum presidente da republica ou político, deixo como está. Se a pessoa não consegue aceitar como ela é, engana-se ao pensar que algumas intervenções cosméticas irão realmente melhorá-la, não, pelo menos, como pessoa. A bondade, a humanidade, a correção de uma pessoa estão escondidos debaixo de sua epiderme e, poucos são aqueles privilegiados que têm o dom de enxergá-la.
Não tenho hábito de tomar o café da manhã assistindo TV, porque acho isso uma péssima maneira de se começar o dia, assistindo noticiários que primam pelo mau gosto ou enfadonhos programas que se propõem direcionados ao publico feminino, que ensinam a fazer pratos maravilhosos aproveitando as sobras do dia anterior ou dão dicas de economia domestica inúteis. Neste dia, porém, encontrei o aparelho ligado quando cheguei na sala e não me dei ao trabalho de desliga-lo enquanto comia o meu desjejum. Enquanto devorava meus ovos mexidos com crocantes torradas integrais, acompanhados de um delicioso e natural suco de laranja em caixa, ouvia a voz de um rapaz sendo entrevistado e, só depois de algum tempo fixei meu olhar no aparelho e minha atenção no programa, não tanto por ser um assunto de interesse, mas por sua bizarrice.
O entrevistado daquela gloriosa manhã era um desses ratos de academia, tão comuns nos dias de hoje. Seu corpo, muito atlético, era coberto por uma fina camisa regata para deixar à mostra a musculatura estufada e dura. O vocabulário era limitado, mas perfeitamente compreensível sem a ajuda de um interprete. Seu rosto tinha um olhar sereno e um sorriso que lhe conferia uma expressão meio parva. Na verdade, havia algo de muito perfeito e ao mesmo tempo pobre de expressão em seu rosto que me fazia lembrar as capas de revistas masculinas nas quais celebridades sofrem uma maquiagem virtual que nos faz ter duvidas de quem realmente sejam aquelas pessoas. Com redobrado orgulho ele contava sobre as intervenções que fez no corpo para transformar o raquítico e tímido jovem da foto que era exibida enquanto ele falava diante das câmeras, naquele monumento atlético no qual ele fora transformado.
Assim como muitas mulheres recorrem a implantes nos seios para ficarem mais exuberantes, ele fizera semelhante, poupando suor na academia, aumentou o tórax, disse sorridente. Parecia aquela sinistra e deliciosa ave “chester”, de peito avantajado e estufado que comemos na ceia natalina e que não existe na natureza e sabe-se lá de que mundo é que veio. Mas, para que o resultado de sua intervenção do peito não ficasse desproporcional com o resto do corpo, aplicou, também, silicone nas coxas para engrossa-las, na batata da perna e na bunda – no lado exterior dela, me refiro - que esta era muito minguada e não chamava a devida atenção, explicou. Eu nunca havia reparado, antes, em bunda de homem, mas agora ao ver uma redonda e bem torneada vou suspeitar que seja de silicone. Quando o seu corpo adquiriu as formas de um Adônis da modernidade, ele partiu para dar um jeito no rosto que não era feio assim, mas apenas não combinava com a expressão de “bad-boy” que queria causar com a sua nova imagem. Diminuiu a testa, não compreendi exatamente como, mas, talvez isto seja uma operação simples quando se tem o crânio oco como o dele. Acrescentou mais um pouco de silicone ao redor do queixo e estava pronto! Ficou com cara de alguém que sofria de constipação intestinal.
Meus caros, muitas horas de academia foram poupadas com as manobras do mestre do bisturi. Tanto esforço assim ele explicava, era para ingressar no mundo do cinema como ator de filmes de ação que, como todos sabem, o Brasil é um dos maiores produtores do mundo. Passados três anos de sua metamorfose, ainda não pintou aquele convite para fazer o tal filme e também nenhum outro. Mas ele está muito satisfeito com o seu novo corpo e garante que sua vida mudou para melhor. Enquanto aguarda ser “descoberto”, exibe o seu corpinho todas as sextas e sábados à noite como “go go boy” numa boate no centro de São Paulo.
Eu, por outro lado, devo admitir que eu não fui totalmente honesto com vocês. Sou um ser humano todo cheio de defeitos e me deixei levar pela vaidade... Certa vez, li um artigo de uma psicóloga conclamando a mulherada a namorar os barrigudos e discorria em seu texto sobre todas as vantagens e utilidades desse peculiar gosto. Que homens de verdade são os barrigudos, estes são fofinhos, confortáveis de deitar em cima e, se sabem cozinhar, não deviam deixar escapa-los pois dariam prazer tanto na mesa como na cama! Não são exibicionistas, estão sempre bem humorados porque não fazem dieta alguma e são ótimos amantes. Eu me animei, já estava cansado de minha vida de atleta malhando em academia, da minha barriga modelo tanquinho e de todas aquelas dietas. Fui num especialista e paguei para que ele implantasse em mim uma bela barriga de silicone estilo barril de cerveja! Nunca fiquei tão feliz na vida. Agora, só estou esperando para ser descoberto pela mulherada, mas esta parte terá de esperar até a próxima encarnação, e que não está muito longe!
8 comentários:
kkkkkkkkkkkkkkk Adorei!
Teresa Perez
Impagável, como sempre. Parabéns, Cris.
Acho que vc está apaixonado.......
Muito bom!
Bjs
Alice Becker
Está excelente, divertidíssimo, parabéns!!!
Abs,
Ester Cristina Bergsten Lopes
Eu li... muito divertido sua cronica.
Paulo Márcio
De certa forma, o tema beleza sempre me lembra O Retrato de Dorian Gray. O texto está divertido, Cris. E viva as barriguinhas de cerveja! Bjo
Boa crônica, Cristiano! Um texto leve e não caricato; gostei!
Rogério Costa
É difícil prender a atenção do leitor com um assunto tão desinteressante; você conseguiu, Cristiano, com um texto leve e não caricato. Gostei!!
Rogério Costa
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