quarta-feira, 8 de junho de 2011

Sobre germes e colheres de pau.

Assisti a uma cena curiosa. Um senhor lavava as mãos. Mas ele o fazia de forma tão diligente e cuidadosa que não pude deixar de prestar atenção naquele gesto que era mais que um corriqueiro cuidado com a higiene pessoal. Primeiro, ele tirou do pulso o pesado relógio de metal que pousou cuidadosamente sobre a bancada da pia e, em seguida, encheu com sabonete líquido as mãos que se uniram em concha debaixo da torneira que jorrava água em abundância. Esfregou uma mão contra a outra demoradamente e depois cada dedo vigorosamente para, em seguida, ensaboar os braços até a altura dos cotovelos e depois enxaguá-los. Ao final, exibiu uma expressão de satisfação ao se secar num daqueles secadores barulhentos de ar quente. Eu diria que aquele senhor seria um neurocirurgião prestes a entrar na sala de cirurgia para realizar o milagre de salvar mais uma vida, se aquela patética cena não tivesse acontecido num banheiro de um shopping center.

Como comprovei em seguida, aquele senhor assistira uma recente reportagem de TV sobre germes e que ensinava como lavar as mãos corretamente. Ele não lava as mãos de outra maneira desde então, contou-me satisfeito. Acho engraçado como a televisão tem certa influência sobre a vida das pessoas e como elas acreditam em tudo o que assistem. Ora, a humanidade chegou até aqui sem precisar gastar tanta água e sabão para manter as mãos limpas e nem por isso sumiu da face da terra. O mundo nunca esteve tão asséptico, não desde que a indústria de material de higiene e limpeza descobriu as temíveis bactérias. Todos estão preocupados em acabar com elas onde quer que elas estejam, e haja bactericidas e água!

Existe, hoje em dia, uma infinidade de produtos de limpeza domésticos oferecidos nas prateleiras de supermercados que prometem nos livrar dos incômodos germes e bactérias, desde o tradicional sabão até gels perfumados em embalagens sofisticadas ou sprays que vão caçá-los flutuando no ar. Nunca o aparato foi tão grande e variado para combater estes invisíveis inimigos e as pessoas estiveram tão preocupadas em se livrar deles, como se estes fossem um incômodo que realmente perturbasse o nosso sossego e minasse a saúde. Faltou ainda inventarem um germicida para o beijo na boca, sim porque esta expressão amorosa de troca de salivas deve, indubitavelmente, conter germes e outro para o sexo buco-genital, por razões óbvias, é claro. Imagine a cena nada sensual, os amantes, pouco antes de se beijarem, gargarejam o produto que é cuspido e depois tascam o beijo! E quanto à outra forma... bem, dá pra imaginar, né? Eu, particularmente acho que essas coisas são como o sarapatel, se lavar demais, perde a graça...

Eu fico me perguntando o porquê de tanta preocupação com as pobres das bactérias e germes – elas são a mesma pessoa com nomes diferentes? – e se são elas mesmo que nos preocupam tanto. Não me refiro às boas práticas com a higiene mas ao zelo excessivo que afeta nossa rotina e nos deixa tão preocupados. Sem nos darmos conta, tais preocupações vem nos tornando indivíduos assépticos que evitam de se tocar para não se contaminar, começamos a desenvolver nojo por tudo. Aonde iremos parar com tanta limpeza? Do que temos tanto medo, mesmo?

E nesta febre contra os temíveis germes e bactérias, um restaurante abriu suas portas com uma novidade bizarra. Armou todos os garçons com colheres de pau que serviam como extensão de suas mãos ao servir a clientela, pareciam o Edward Mãos de Tesouras. Deste modo, suas mãos infectadas com o inimigo não tocariam em nada. Fui lá almoçar, o lugar estava estalando de novo. Pedi um ‘peixe delícia’, que é aquele que vem acompanhado de bananas fritas por que eu gosto muito dessa combinação. Ao provar o peixe, percebi pelo sabor que era um de água doce. E para confirmar minhas suspeitas, perguntei ao garçom que me servira e passava batido por minha mesa. “Pirarucu?” apontei para o prato, ao que ele respondeu sem parar: “Tiraram, sim, senhor!”

Ao final da deliciosa refeição, fiz um elogio.

— A comida estava uma delícia!

— Obrigado senhor, vou repassar esta informação ao nosso chef.

— Fiquei impressionado com a habilidade de vocês para manusear tudo com estas colheres de pau, vocês são muito higiênicos, nunca vi igual.

— O patrão é muito exigente quanto à limpeza. Imagine o senhor que até temos um cordãozinho amarrado no zíper da calça para não tocá-lo com a mão ao ir ao banheiro.

— É mesmo? Hum... E como é que vocês fazem para colocar o pau de volta dentro da calça? - perguntei educadamente.

—Ah! Para isto, usamos as colheres de pau! — respondeu orgulhoso o homem.

Rio Vermelho, 8 de junho de 2011.

9 comentários:

Anônimo disse...

gostei!
Fabian Chagas

Anônimo disse...

hahhahahhahahhaha adorei!!! Mas agora terei mais cuidado com as colheres de pau kkkkkk
beijos
Ivana Braga Souza

Anônimo disse...

Cristiano: - Gostei muito! Então, qd o término da leitura, me faz dar uma boa e gostosa gargalhada, a minha satisfação se complementa e o prazer se renova em ter te encontrado novamente. Um beijo no seu coração.
Odete Lima

Carollini Assis disse...

Muito bom, um dos melhores que já li escritos por vc. Bjo

Sarnelli disse...

Eu fiquei meio cabreiro.Quero o nome do restaurante onde você comeu aquele pirarucu maravilhoso... para não correr o risco de ir até ele, por causa, exatamente, da colher de pau...
Aproveito fara fazer uma reclamação. Você não visitou os meus...

Anônimo disse...

Eu entrei, li e gostei muito! Vc escreve bem, com leveza e fluidez. Muito bom!
Isa Magalhães

Marcela disse...

Hilario!

Anônimo disse...

Cristiano, crônica é meu tipo predileto de literatura. As suas retratam como bem disse a Isa, com muita leveza o cotodiano.
Ana Tereza Mello Fiuza

Anônimo disse...

E você ainda elogiou o prato!!!
Muito boa, Cristiano!
Realmente um dos mais engraçados que escreveu.
Um abraço.

Rogério Costa.