Já vi casamento transformar-se em relação impossível de suportar convívio sob o mesmo teto, mas que para não jogar pá de cal sobre o matrimônio ameaçado, o casal apelou para soluções curiosas. Meu irmão caçula foi um deles, cansado de aturar as idiossincrasias da esposa, fez uma trouxa e foi morar longe em outro quarteirão. Resultado, o seu casamento nunca esteve tão bem desde então, contanto que cada um fique em seu canto. É verdade que ele faz visitinhas diárias à sensível esposa, mas depois volta para o sossego de sua própria casa para fazer aquilo que mais gosta que é ser ele mesmo. Eu particularmente acho um abuso esperar que uma pessoa seja obrigada a aturar outra pelo resto da vida, porque casamento deveria ter prazo de validade igual a de desodorante, quando começa a cheirar mal é porque já está na hora de colocar outro.
Com o meu amigo JR, sucedeu-se algo semelhante. Que a sua Odete quase não falava mais com ele e por causa disso ele resolveu por fim ao matrimônio de quase vinte e cinco anos de casados. Me procurou pedindo uns conselhos, como se logo eu fosse uma autoridade no assunto. Eu, que nem nunca cheguei perto de um altar, não por fobia, mas por falta de merecimento mesmo, que as moças escolhidas para a ocasião solene não me quiseram por causa da minha falta de liquidez bancária, triste de moi.
— Vou largar a Odete, pedir o divórcio. – falou sério.
— É mesmo? Mas por que isso agora? – perguntei surpreso, desconhecia que o casamento não ia bem das pernas.
— Odete quase não fala mais comigo.
— Humm... pense bem no que vai fazer, rapaz, pois uma mulher assim é difícil de se encontrar! – zombei preferindo perder um amigo, a perder uma boa piada.
Mas como quem pede conselho só quer mesmo ouvir aquilo que deseja, e no caso de JR ele esperava que eu aplaudisse a sua iniciativa, e foi o que eu fiz pois nunca fui de contrariar ninguém e mesmo que eu o desencorajasse, a sua decisão já estava tomada antes mesmo de ele vir falar comigo. Então, certo dia, ele se vestiu todo e depois foi até a sala e disse à Odete, casualmente: “Vou ali comprar cigarros e não volto mais.” JR saiu de casa e foi morar num balança-mas-não-cai ali no Politeama, enquanto Odete ficou no apartamento da Ladeira da Barra com vista para a baía, novinho em folha.
Os meses passaram, JR se sentiu sozinho no mundo. Certo dia, ele passou em frente ao antigo prédio onde morava. Ficou parado olhando lá para cima e viu a luz do apartamento acesa. Subiu e bateu na porta, Odete que atendeu surpresa.
— Como cê tá?
— Eu tô boa.
— Tá precisando de alguma coisa?
— Até qui tô, viu. A torneira da cozinha tá com aquele pinga-pinga de novo.
JR entrou no seu ex-apartamento e foi lá no quarto dos fundos, onde pegou a caixa de ferramentas e foi dar um jeito na torneira. Enquanto isso, Odete foi dar uma de boa anfitriã, pegou uma long-neck geladinha e foi fritar umas rodelas de linguiça com farofa para aperitivo, como nos velhos e bons tempos. Depois do conserto feito, JR bebeu a cerveja satisfeito, comeu da linguiça e pôs um olhar de fome para cima de Odete e fudeu-lá alí mesmo no pé da mesa. JR gostou da novidade e Odete ficou agradecida que ela estava mesmo precisando daquela assistência. Na semana seguinte, ele lá apareceu de novo e fez outro concerto doméstico pelo qual Odete mostrou-se igualmente agradecida e satisfeita. E na outra semana, mais um concerto. De uma hora para outra, um apartamento tão novo como aquele começou a ter todo tipo de problema e JR parece até que adivinhava, pois ele sempre chegava na hora certa de ferramenta em riste. A vizinha de Odete que era uma amiga apreciadora de uma boa fofoca, vendo aquele entra e sai de JR – desculpa a figura de linguagem – bateu na sua porta para se inteirar dos fatos a fim de anunciá-lo na “Voz do Brasil”.
— Cês voltaram? – quis saber.
— Qui... menina, tu acredita que o traste é melhor como amante do que como marido?
Nessa vida nada é perfeito, mesmo. Cada qual, com seu cada qual... seja lá o que for que isso signifique. Não há mais casamento tradicional, cada um casa como quer e como pode, o importante é não ficar sozinho.
Rio Vermelho, 19 de julho de 2011.