Os jornais da semana denunciaram mais um escândalo. Felizmente eles são apenas um por semana, e não dois, três ou mais, pois, do contrário, eu não daria conta de acompanhá-los com o interesse devido. Abri o jornal ansioso por me inteirar dos detalhes, assim como faz uma dona de casa para saber as novidades dos capítulos seguintes de sua novela preferida. E lá estava estampado na primeira página, em letras garrafais, que uma alta autoridade do governo havia roubado umas pontes e estradas. Vejam a que ponto chegaram, não estão poupando nem as vias públicas! E toda vez que algo assim acontece, tenho a estranha sensação de que algo foi tirado indevidamente de meu bolso.
Embora escândalos envolvendo o governo sejam fatos abomináveis, uma vez que pessoas escolhidas por nós, através do voto obrigatório, para tratar da coisa pública não se ocupam de nada mais além do que cuidar das coisas delas, eles vão se tornando parte de nossa paisagem, assim como anúncios de outdoors ou os flanelinhas nos semáforos. Acompanhar os escândalos no noticiário virou uma distração, ainda que indigesta, igual a seguir os capítulos da novela do horário nobre – que tanto condenamos mas que não somos capazes de perder um só capítulo – e cuja trama é igualmente absurda e a maioria de seus personagens são seres igualmente desprezíveis. Eu não consigo mais passar sem acompanhar um bom escândalo e tenho crises de abstinência quando os jornais ficam mais de uma semana sem nenhuma novidade. Graças a Deus o pessoal de Brasília trabalha duro noite e dia para nos proporcionar entretenimento de qualidade milionária.
Eu só fico intrigado que todos estes escândalos só chegam ao nosso conhecimento por jornais e revistas que se dão ao trabalho de ir desencavá-los, e não porque os agentes públicos fiscalizadores, numa atitude de prestar contas à opinião pública, chamou a imprensa para botar a boca no trombone. Há claramente uma inversão de papéis, é a imprensa que está informando ao governo o que se passa no quintal deles e não o contrário. É como se eu ou você resolvêssemos, de uma hora para outra, dar uma de Sherlock Holmes investigando crimes ou prendendo bandidos porque a polícia está muito ocupada com outras atividades mais nobres para se ocupar disso. Em resumo, escândalos só existem por que há uma imprensa em nosso país para denunciá-los, do contrário tudo ficaria entre quatro paredes como a vida íntima de mamãe e papai, e a comidilha correria solta longe do nosso conhecimento.
E como nunca na história desse país nem um só agente fiscalizador veio a público, em primeira mão, revelar um mal feito pelo governo antes que a imprensa o fizesse, é porque talvez ele tenha procurado, mas nunca encontrou nada porque tudo não passa de pura invenção dessa imprensa golpista. Os escândalos não passariam de uma fabricação maquiavélica da própria mídia com o intuito de vender mais jornais e revistas e de aumentar o IBOPE do “Jornal Nacional” – alguém aí já ouviu o locutor dizer “Este escândalo é um patrocínio de OMO Total, o sabão em pó que limpa toda a sujeira”? – Mas como o tal agente público fiscalizador é impelido a tomar alguma atitude para salvar as aparências, geralmente ele faz lá umas investigações e termina engavetando o processo por faltas de provas... Deveria haver uma lei obrigando a todo político ladrão a passar recibo ou nota fiscal toda vez que recebesse a grana de um esquema, e só assim haveria provas contundentes. Mas o inquérito foi uma tremenda de uma encenação, o funcionário corrupto não é mesmo afastado de sua função, só saiu de férias usando o cartão corporativo do governo, o outro não foi preso de verdade e já no dia seguinte um zeloso juiz lhe concedeu um habeas corpus e aquelas algemas eram de mentirinha. Tudo terminou na santa paz para eles.
Uma das coisas mais divertidas de um escândalo é a expressão de surpresa e de desaprovação com que o governante ou o político enfrenta as câmeras quando o caso estoura. Ficam todos indignados como se fossem umas virgens e prometem tomar providências enérgicas doa a quem doer. Mas jamais um político ou governante foi parar atrás das grades – cumprir pena mesmo, sabe – por algum mal feito, isto porque, eu gostaria de lembrar ao caro leitor, foi ele mesmo quem criou as leis para fiscalizá-lo e que ao invés de puni-lo o livra de ir ser hóspede do Estado por uma longa temporada. Agente fica pasmo assistindo a tudo isso e com uma estranha sensação de o que estamos vendo é um clichê, pois já temos uma ideia do que vai acontecer depois e que é, indubitavelmente, coisa nenhuma, que no Brasil não é crime ficar milionário da noite para o dia sem ganhar na Megasena e o felizardo não é obrigado a comprovar de onde veio toda aquela grana. Não há provas suficientes, e o assunto está encerrado, agimos com rigor. Minha mãezinha, do alto dos seus quase noventa anos de sabedoria, me disse outro dia enquanto assistia muda pela TV mais um noticiário sobre o escândalo, “viu, você prefere ficar aí desconhecido escrevendo essas coisas, porque não vai ser político em Brasília, ficar famoso e milionário?”
Rio Vermelho, 10 de julho de 2011.
2 comentários:
Cristiano,
Parabéns pelos textos bem escritos e análises interessantes dos fatos, casos e histórias do nosso cotidiano. Bravos!
Abraços
Guache Marques
Cristiano , estou começando a achar que você está se superando cada vez que coloca mais um texto no ar. Não fique vaidoso , mas cada texto que você produz , vem melhor que o anterior- Sarnelli
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