sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Chega-se a Boipeba até de helicóptero, mas não é tão divertido assim.

Nada como um programinha alternativo bem longe de casa para variar a rotina e fazer-nos desejar voltar ao conforto e segurança do lar, para a nossa vidinha de sempre. Minha querida sobrinha entrou de férias e me convidou a passar uns dias em Boipeba em companhia de sua família, e como eu sempre quis mesmo conhecer o lugar, não pensei duas vezes antes de aceitar. O passeio também me ajudaria a curar feridas no coração, causadas involuntariamente por alguém que foi dançar o tango com um felizardo nas frias noites portenhas. Triste de mim que mal sei só dançar o twist.

Para quem nunca esteve ou ouviu falar de Boipeba, apenas digo que é uma paradisíaca ilha localizada na Costa do Dendê no litoral sul da Bahia, plantada no que ainda restou da Mata Atlântica, região de extensos manguezais e recifes de corais que a tornaram reserva ecológica. O lugar ainda não descobriu o débito em conta ou o cartão de crédito, mas já tem banda larga e luz elétrica. Suas ruas são estreitas e muitas delas já pavimentadas com pedras de cantaria, destinadas ao trânsito exclusivos de pedestres porque em Boipeba não existem automóveis, mas para se chegar aos vilarejos e praias vizinhas recorre-se ao transporte de tratores que rebocam jardineiras ou ao lombo de burro ou de cavalo ou, para quem tem disposição, vai de pé mesmo.

Mas chegar até a ilha de Boipeba é que é o grande barato da viagem, porque o lugar fica bem lá no fim do mundo onde o vento faz a curva, e o modo mais em conta de se chegar lá acontece que é também o mais divertido e que faz o passeio valer a pena, depois que pensamos sobre o assunto, já de volta ao conforto do lar. Então, no dia e hora combinados eu já estava pronto às seis da manhã; não vou dizer aqui que minha sobrinha me deixou esperando e só apareceu com a cara mais limpa do mundo depois das sete e meia. Mas mesmo assim chegamos ao Terminal da França a tempo de pegar a lancha seguinte para Mar Grande, na ilha de Itaparica. O que as pessoas chamam de lancha é, na verdade, uma sólida embarcação de madeira semelhante a um saveiro, movida por um potente motor capaz de carregar em uma só viagem umas duas centenas de almas. O gostoso da travessia é a rara chance de admirar Salvador vista pelo mar que é uma paisagem de encher os olhos. Como o mar estava agitado por causa das marés de agosto, a lancha jogava para os lados e, volta e meia, respingos da água salgada da Baía de Todos os Santos nos abençoava.

Em 35 minutos estávamos em Mar Grande e sem pegar congestionamentos! Uma agitação de “vans” disputava os passageiros que desembarcavam para levá-los a outras praias mais distantes da ilha de Itaparica, mas, para nossa surpresa, nenhuma delas tinha intenção alguma de ir até a cidade de Valença, que era o nosso destino seguinte neste périplo. A ‘baixa estação’, justificaram. A única opção que nos restava era ir de taxi, ou, melhor dizendo, um carro particular que clandestinamente faz o serviço, como nos explicou a autoridade local responsável por coibir tal prática e quem nos sugeriu fechar com um seu sobrinho que tinha um Fiat novinho em folha logo ali esperando na esquina. Ah, o que seria de nós se as leis fossem cumpridas neste justo e belo país... Aceitamos a oferta, mas como nem tudo é garapa, havia mais um perrengue que o dito ‘taxi’ só nos levaria até o terminal do ferry boat em Bom Despacho e de lá teríamos de seguir em outro para Valença a ser providenciado pelo nosso motorista, coisa da mais absoluta confiança, garantiu.

Então, devidamente instalados pegamos a estrada com destino a Bom Despacho que era ali perto, segundo nos informou o motorista, embora me pareceu ser bem mais adiante, mas não nos importamos pois, tudo era novidade, porque estávamos passeando e o tempo era nosso amigo.

Quando finalmente chegamos a Bom Despacho o nosso ‘taxi’ fez um sinal para outro colega à espreita, igualmente clandestino e que por isso foi nos encontrar mais adiante num posto de gasolina, longe dos olhos da fiscalização que esta não era tia de ninguém. Trocamos de ‘taxi’ e não me escapou aos olhos quando o nosso novo motorista deu furtivamente uma graninha para o colega que nos levou, alimentando a cadeia de comissões e propinas na qual havíamos nos metido. E lá fomos nós finalmente para Valença num segundo ‘taxi’, soprados por um vento gostoso que invadia o carro através da janela e foi quando aproveitamos todos para tirar um cochilo, excetuando o motorista, por razões óbvias. Hora e meia depois, chegamos na rodoviária de Valença onde teríamos que aguardar por um ônibus que nos levaria a um lugar chamado Turrinhas. Senti fome e saí investigando pelo pequeno terminal um lugar para comer e achei a única lanchonete disponível que tinha em sua vitrine uma variedade de salgados cuja aparência prometia fazer de nosso passeio um pesadelo, preferi arriscar num pacote de biscoitos. Deus é mais!

E não tardou muito o nosso ônibus chegou. Não me admirei ao ver que era um carro velho de aparência surrada e enlameado por uma terra vermelha que este era batizado com o pomposo nome de ‘Expresso Boipeba’. Pulamos para dentro e logo em seguida ele partiu valentemente transportando-nos ora pela estrada de rodagem e ora cortando pequenas cidades de prédios históricos até cair numa estrada de barro estreita e rica em buracos, mas formidavelmente ladeada pela mata fechada até parar em Turrinhas, que acontece de ser um pequeno e rústico terminal portuário. Todos saltaram do ônibus e me apressaram para andar mais rápido que o barco para Boipeba estava na eminência de partir, mas da distância onde eu estava eu não via embarcação alguma atracada e só quando cheguei ao deck e olhei para baixo vi que uma canoa de madeira com um motor de poupa na qual os passageiros tomavam cada um o seu lugar. Pulei para dentro bravamente lembrando que eu não sabia nadar e em seguida ela partiu conduzindo-nos pelo leito do Rio Grande para dentro da mata virgem com o seu motor tossindo fumaça e quebrando o silêncio da paisagem com o seu barulho renitente enquanto admirávamos os manguezais, crocodilos e hipopótamos – só para enriquecer a narrativa. Depois de quase uma hora ele virou no Rio do Inferno e logo avistamos Boipeba plantada na boca da barra nos aguardando finalmente. Chegamos!

Levamos cerca de seis horas de viagem, mas pode-se chegar à ilha de lancha rápida em menos de duas horas ou de helicóptero em apenas 45 minutos, mas te garanto que o passeio não é tão divertido.

Rio Vermelho, 15 de setembro de 2011.

6 comentários:

Anônimo disse...

Bom dia! Tudo bem?
Gostei muito desta postagem. Fiquei com mais vontade de conhecer. Estou indecisa é a maneira que vou escolher de chegar por lá ..... rsrsrsrsrs.
E o próximo encontro do Teresa!!!!
Agora vou dar uma descansada de viajar, só mesmo a Feira, mas se tiver encontro, dá p/ voltar rapidinho.Ok?
Abraço.
Odete Maria de Carvalho Lima

Sarnelli disse...

A narrativa da sua "viagem " escorregou suavemente e provocou a minha atenção, mas , infelizmente, você, apesar das peripécias, terminou por chegar a Boipeba com uma certa rapidez, o que foi uma pena ! Deveria ter demorado mais para que pudesse ter mais coisas para contar. Eu achei que foi muito fácil. Da próxima vez, faça uma viagem um pouco mais comprida. Gosto do seu estilo e , por isso mesmo, as suas estórias não podem ter um fim tão próximo ao começo.

Ana Martha Falzoni disse...

De lancha é rapidinho no verão, né? Com a maré de agosto pode durar bem mais, com direito a um quase naufrágio e reviravoltas no estômago. A ilha é paradisíaca, sem dúvida, provavelmente graças À dificuldade de acesso.

Monica Brunini disse...

Adorei a narrativa!!! É realmente uma empreitada ir por aquelas bandas, mas vale a pena né? bjooo

Anônimo disse...

"Estou louca para conhecer os crocodilos e hipopótamos de Boipeba!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! adorei a narrativa!"
Virgínia Neves

Isabella disse...

Cris!!!!! que maldade...quer dizer que não foi divertido? que bom que é tão árduo esse trajeto, um lugar tão lindo assim realmente precisa ser preservado, a busca incessante torna o encontro mais precioso! adoramos a sua companhia.
sua querida sobrinha...