Quando pequeno, JR acreditava que ao crescer iria se tornar num belo cisne de penas negras que iria ser admirado por todos por causa de sua inigualável beleza. Mas ao alcançar a idade adulta, logo percebeu que ele não fazia parte de nenhum conto de fadas e que, se ele era feio quando criança, ao crescer, ficou mais feio ainda. Enfim, ele era feio como o pecado, mas estranhamente a sua feiura era mais de fascinar que de repelir. E além de ser destituído de predicativos de beleza física, ele era um duro, outro agravante que só tornava as coisas difíceis para o seu lado.
Fala-se muito da nobreza da beleza interior, principalmente quando a exterior deixa muito a desejar e, no caso de JR, as mulheres pareciam não ter os esperados olhos de raios-X que tanto enxergam o âmago do ser de uma pessoa, porque esta poderia ser uma dessas inspiradoras estórias de superação na qual o nosso herói passa por uma provação, no caso a sua falta de beleza, até ser reconhecido e admirado pelo seu conteúdo humano, mas, no caso de JR ele era um sujeito superficial e sem muitas qualidades pessoais que o distinguissem dos outros seres da espécie, então ele não apenas carecia de beleza exterior, mas de interior também, no entanto, ser má pessoa ou mau caráter, isso ele não era.
Mas apesar de seu percalço, ele era um ser humano como outro qualquer que se levantava todas as manhãs motivado por sonhos e desejos. E um desses desejos atendia pelo nome de Ritinha, uma deliciosa e mal afamada mocinha que era balconista da loja de ferragens do bairro que ficava no seu caminho diário para o trabalho, uma mulher muito bonita, mesmo. Os olhos do pobre rapaz brilhavam de desejo cada vez que ele punha os olhos sobre ela ao passar em frente da loja e provavelmente outras partes de seu corpo se manifestavam com igual grau de paixão. Mas a moça tinha horror a homem feio e o nosso pobre JR se encaixava exatamente naquela categoria. Vez por outra ele entrava na loja nem que fosse para só comprar um prego, ou dois, apenas pelo prazer de ser atendido por Ritinha, mas apesar de toda sua delicadeza e educação ao tratá-la, ela retribuía com um olhar duro de desprezo porque para ela, ele era mais um daqueles homens feios que enchiam a sua paciência com olhares e palavras melosas. Vez por outra JR a encontrava no mercado e tinha a petulância de se aproximar para conversar na intenção de convidá-la pra sair ao que ela lhe respondia gentilmente: “Você não se enxerga? Vai te catar!” O rapaz interpretava isto como um “talvez” e repetia o pedido em outras oportunidades, ouvindo sempre a mesma promessa encorajadora.
Mas a vida não foi totalmente injusta com JR, pois que, certo dia, teve o sofrimento de perder um tio querido e a compensação de herdar toda a sua pequena fortuna. A notícia logo se espalhou pelo bairro e virou assunto de conversa de esquina, balcão de farmácia, mesa de botequim até chegar à loja de ferragens na qual a indiferente Ritinha trabalhava e pôs-se ouvir aquela conversa toda com disfarçado desinteresse. A estória que corria era que ele queria achar uma boa moça para casar e que com todo aquele dinheiro que herdou, candidatas é o que não faltavam e quem quisesse tentar, melhor que se apressasse porque a fila estava começando a dobrar o quarteirão. Não demorou muito, Ritinha percebeu que subitamente estava perdidamente apaixonada pelo homem mais feio que já vira em toda a sua vida e dono de uma fortuna de encher os olhos de qualquer moça que sonhava encontrar seu príncipe encantado e ela encontrara o seu.
A partir de então, ela passou a ir ao mercado diariamente com o intuito de esbarrar acidentalmente com JR, o que de fato aconteceu e daquela vez foi ela quem teve a iniciativa de puxar conversa. E como era de se esperar, JR insistiu mais uma vez no convite para saírem juntos ao que foi aceito de pronto e com demonstrações de alegria e entusiasmo que faria qualquer cego de bengala desconfiar, menos JR que estava cego de amor pela moça. Ao se despedirem reafirmando o encontro já para aquela noite – para que esperar tanto... – Ritinha deu um beijo melado no rosto de JR e disse-lhe languidamente ao pé de seu ouvido “Você é tão lindo!” Bem, o resto da estória é previsível de imaginar. Eles viveram felizes para sempre, ele por ter uma esposa que era muito bela e ela por ter se tornado proprietária de uma bela conta bancária.
Rio Vermelho, 30 de outubro de 2011.