Depois de experimentar ser levado para cima e para baixo, nas garupas dos moto-taxis de Lençóis, – ou melhor dizendo, só morro acima porque para descer, como é de praxe, todo santo ajuda – perdi o medo de andar de motocicleta. É que este é o único meio de transporte público do lugar, fique sabendo.
Por dois míseros Reais este curioso meio de transporte da pequena cidade montanhesca nos leva a qualquer lugar do perímetro urbano, mas o seu único inconveniente, além do fato de ser uma motocicleta, é ter de pôr um capacete de proteção, o qual já passou pelas cabeças de quase meia população da cidade, fora a dos forasteiros que nem eu. “Meu, filho, este capacete é sempre esterilizado depois de cada viagem, não é mesmo?” Perguntei ao motoqueiro, temeroso da resposta. “O que é isto, esterilizar?” Indagou o rapaz com um olhar confuso. “É o que eu imaginava.” Respondi resignado, colocando aquela incubadora de piolhos na minha cabeça.
Como o tráfego e congestionamento são pragas das cidades grandes que ainda não infectaram Lençóis, a viagem na garupa de uma motocicleta é tranquila e segura, e o máximo que pode acontecer é motoqueiro e passageiro irem ao chão com motocicleta e tudo, quebrando alguns ossos. Mas a minha maior provação foi ir a uma localidade fora de Lençóis, a apenas 10 minutos de motocicleta, e que me pareceu durar uma eternidade, pegando a autoestrada. Meu coração vinha até a boca cada vez que cruzávamos com um daqueles enormes ônibus ou caminhão-baú, era como se levássemos um sopapo invisível, devido ao violento deslocamento de ar. Eu sentia o corpo inteiro chacoalhar. Nunca mais!
Eu nunca vivi tão perigosamente e acho que a única vez que realmente me expus ao perigo foi pegando carona com a mãe de um amigo, nos tempos de colégio. A dona M.C.R. começou a dirigir tardiamente e era muito distraída ao volante. Gostava muito de prosear enquanto dirigia e tinha o assustador hábito de virar o pescoço para o banco traseiro para olhar para o seu interlocutor, com o automóvel em movimento! Por isso mesmo eu ficava sempre caladinho durante a viagem, rezando para eu tudo desse certo. Mas, felizmente, um anjo da guarda sempre esteve ao seu lado, e sua morte, muitos anos mais tarde, deu-se por causas naturais.
Então, de volta a Salvador depois de uma temporada na Chapada, certo dia, passei em frente de uma loja de motocicletas aqui no Rio Vermelho e não resistindo à curiosidade, entrei e fui perguntar ao vendedor sobre os preços, no caso de algum dia eu vir a adquirir uma, você sabe, para me ajudar a enfrentar alguma crise de meia idade.
Um jovem vendedor trajado como se estivesse num rally, veio ao meu encontro com um sorriso daqueles de vendedor.
— O senhor deseja comprar uma motocicleta? – perguntou com perspicácia.
— É... o senhor adivinhou! – respondi olhando em volta.
Aproximei-me de uma máquina que parecia uma coisa de filme de ficção científica e que me deixou em dúvida se aquilo era um meio de transporte ou arma de guerra, ou apenas um brinquedo para marmanjos.
— O senhor fez uma ótima escolha... – disse o vendedor.
— E eu já escolhi, foi?
Então, o rapaz do rally foi cuspindo num só fôlego tudo que devia se saber sobre aquela obra de arte metálica da era pós-moderna.
— Esta é um lançamento da fábrica. Possui 900 cilindradas, refrigeração a ar, injeção eletrônica, motor de 4 tempos, partida em pedal e elétrica, 5 marchas, freios ABS na dianteira e na traseira, amortecedor de direção, farol de neblina e contrapeso no guidon.
E ele falou tudo aquilo com a convicção de quem estava diante de um expert no assunto. Logo eu que só entendo de notebooks, e assim mesmo só de repetir o que ouço ou leio a respeito. Mas para eu não parecer um ignorante no assunto motociclístico, perguntei candidamente ao vendedor:
— E a configuração dessa maravilha representa quanto de processamento e gigabytes?
Salvador, 26 de março de 2012.