A amizade é a forma mais simples e comum de amor. Embora esta simples frase carregue em suas palavras tintas de lugar comum, raramente nos damos ao trabalho de refletir sobre um assunto que nos parece tão familiar. Mas se dedicarmos um tempinho pensando a respeito, concluiremos que a amizade é realmente um caso de amor, e este é tão sincero e transparente que transcende no tempo e no espaço aquele experimentado por um casal de amantes, que a amizade é um caso de amor que nunca morre. É um mistério a razão que une duas pessoas pela amizade, mesmo sendo ambas, às vezes, tão díspares uma da outra. Bem escreveu o genial Quintana, para demonstrar o quão forte e paradoxal podem ser os laços de uma boa amizade: “há dois tipos de chatos: os chatos propriamente ditos... e os amigos, que são os nossos chatos prediletos.”
A noite da última quarta-feira prometia ser uma noite mágica e especial. Eu estava transbordando de energias positivas e de confiança, pois minha querida amiga G.D. estava, naquele momento, bem longe aqui de mim, tentando reescrever a sua história dando um pulo no desconhecido, em busca da felicidade e da realização pessoal e profissional. E como ela me pedira que lhe enviasse energias positivas, eu estava me sentindo uma verdadeira usina elétrica! Seguindo o seu bom e sábio conselho, assim ela me disse “Cris, vai dar uma saída de casa para dar uma chance de a vida te surpreender”, e foi exatamente isto que aconteceu naquela noite singular.
Então, estava eu numa de minhas frequentes e solitárias visitas às salas de cinema; aguardava pela sessão tomando uma fumegante xícara de café com leite no bar do foyer, quando uma distinta senhora idosa adentrou o recinto se fazendo acompanhada de um jovem cavalheiro e uma linda moça. A idosa era uma daquelas velhinhas bem arrumadas e fresquinhas cheirando a alfazema e que nos faz lembrar da nossa avozinha. A moça era um pitéu, uma delícia de se admirar com os olhos. O rapaz era elegante e tinha os modos de um verdadeiro gentleman.
A senhora veio ao meu encontro e pediu polidamente para sentar numa das cadeiras vazias da mesa em que eu estava, pois todas as outras estavam ocupadas. Fique à vontade, respondi com um sorriso hospitaleiro. A moça bonita e o rapaz ficaram de pé com as mãos dadas. O rapaz, solícito e educado, perguntou à velha se ela gostaria de um café, ao que esta respondeu que não. Ele insistiu: Um chá? Um refrigerante? Um pedaço de torta? Nem água? Ela não queria nada mesmo, estava satisfeita. Então, ele lhe disse que iria ali com a moça e voltavam em quinze minutos, a tempo de a sessão começar; dito isto, se afastaram. Mas, no meio do caminho, ele viu sobre uma estante algumas revistas de cinema, pegou uma e voltou até nós, colocando-a sobre a mesa diante da senhora e, feito isto, desapareceu. Como é atencioso aquele rapaz, até parece eu, pensei humildemente.
São em oportunidades como aquela que eu não contenho a minha língua inconveniente, dirigi-me à desconhecida distinta senhora e disse humorado: “Se a intenção do rapaz é a de conquistar o coração da sogra ou o da moça, ele está fazendo um esforço notável!” A velha deu uma risada satisfeita e disse: “Não é nada disso, ele é o meu médico.” E ao perceber a minha súbita expressão de aflição, pois que doença grave padeceria aquela boa velhinha para ter de andar com um médico a tiracolo, refleti apreensivo. Mas ela, percebendo a minha preocupação, acrescentou tranquilizadora: “Ele é o meu cardiologista, sabe. Descobrimos que temos em comum a paixão pelo cinema e. por isto, toda semana ele passa lá em casa e vamos juntos ver um filminho. Geralmente vamos somente eu e ele, mas hoje ele trouxe a namoradinha.” Imagino-me contando esta encantadora estória de amizade e solidariedade a amigas que, de emocionadas, soltariam suspiros de aprovação e exclamariam: “que lindo!”, ao que eu concordaria igualmente comovido. “Nós temos esta amizade especial, sabe, é como uma outra forma de amor, entende? Ele é um ser humano da melhor qualidade. É como se ele fosse meu neto e amigo ao mesmo tempo.”, acrescentou embevecida a velhinha. “Eu posso imaginar isto o que a senhora está me contando, é como no filme “Minhas Tardes com Margueritte”, disse-lhe lembrando da semelhança entre o que ela me dizia com a estória do filme. “Isso mesmo, meu filho! Aquele filme é tão belo...”, suspirou sonhadora.
E digo mais, a amizade é o mais progressista e aberto dos relacionamentos humanos, que ela não reconhece barreiras entre nações, culturas, crenças religiosas, convicções políticas, times de futebol, idades, sexos ou raças, e também não é monogâmica! E se você se lembrou de minha querida amiga G.D. e ficou curioso com o seu destino, ela é realmente uma mulher lutadora e de sucesso, foi aprovada no exame!
Rio Vermelho, 10 de abril de 2012.
Um comentário:
Lindo, Cris! Que bom que tenha compartilhada a história do cinema conosco; é tocante e inspiradora.
Saudade do meu querido amigo!
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