Ao aposentar-se depois de 35 anos de serviço público, prestados
no Departamento de Assuntos Fiscais do Município, Josué jogou fora o terno cansado
com o qual costumava ir todos os dias para a repartição e meteu-se numa bermuda
surrada, camisa de meia e um par de chinelos velhos e confortáveis. “Pronto, este vai ser o meu uniforme de agora
em diante.”, disse com júbilo. Finalmente ele realizava o seu grande sonho de
não trabalhar nunca mais.
Quem não
ficou muito satisfeita com aquela novidade foi dona Etelvina, sua severa e
trabalhadora esposa, dona de casa exemplar, que não estava acostumada a ter o
marido em casa o dia inteiro, exceto nos finais-de-semana e feriados. Ela se
perguntava com o que o marido ia se ocupar de agora em diante. Tudo o que ela
menos desejava no mundo era ter um homem desocupado pela casa lhe aporrinhando
a paciência. “Meu Pai, o que é que esse homem vai ficar fazendo dentro de casa o
dia inteiro, de agora em diante?”, ela se perguntava aflita e benzendo-se.
Mas Josué já
tinha muito bem em mente como pretendia preencher o seu precioso e ocioso tempo
pelo resto da vida. Alugou um serviço de TV a cabo com o qual planejava passar
o dia deitado no sofá da sala vendo filmes e seriados, acompanhado de uma
garrafa após outra de cerveja geladinha. A vida não podia ser mais perfeita!
Tão logo a
TV foi instalada, ele começou pondo em prática o seu brilhante plano. Entretanto,
ele parecia determinado a levá-lo muito a sério, pois o mundo bem poderia acabar
à sua volta, que ele não moveria um único dedo sequer para salvá-lo, a menos
que lhe levassem junto a TV e a cerveja ou o sofá. Sua rotina diária era um
verdadeiro martírio, ele acordava cedo com o único objetivo de ter mais tempo
para ficar sem fazer nada. Depois do café, ele lia a sessão inteira de esportes
do jornal enquanto tomava o banho de sol sentado na cadeira da varanda, em seguida,
pulava para o sofá para começar a sua maratona em frente à TV. E quando o sino
da igreja do bairro dava a badalada das dez horas, ele abria religiosamente a
sua primeira cerveja do dia e só fazia um intervalo para almoçar, seguido do cochilo
em sua própria cama até as quatro da tarde. Depois do merecido descanso, ele
voltava para frente da TV, para assistir a sessão da tarde e depois enveredava
pela noite a dentro. Felizmente ele também cultivava o mesmo gosto de dona
Etelvina pelas novelas, de modo que ele não se incomodava com que ela as
assistisse sentada no sofá ao seu lado.
Dona
Etelvina dava um duro dentro de casa, varrendo, limpando, lavando, passando e
cozinhando e ainda por cima fazendo a feira da semana e o supermercado, mas o
Josué olhava aquilo tudo com um olhar de paisagem sem ao menos se oferecer para
ir ali no armazém comprar tempero, que é o que se espera de um marido
aposentado. Ele não se oferecia para ajudar em coisa alguma na casa, era como
se ele houvesse jogado o seu senso de solidariedade no lixo juntamente com o
seu velho terno de ir para o trabalho. Mesmo quando ela se aventurava a
pedir-lhe um favor, ele sempre dava a mesma resposta “Depois eu faço.” O que
inequivocamente significava o mesmo que dizer “não conte comigo.” Claro que
dona Etelvina ficava furiosa com a falta de cooperação de Josué, “mas que homem
inútil”, ela dizia para si mesma benzendo-se. “Meu filho, você deve ter alguma
doença, pois eu nunca vi ninguém tão preguiçoso como você.”, ela sempre repetia
todos os dias, ao que ele fazia uma expressão de desdém sem contestá-la.
Certo dia, não tolerando mais a
preguiça do marido, dona Etelvina mandou-o ir se consultar com um médico para
que este descobrisse o que havia de errado com o ele. Sob protestos, Josué acatou
à ordem e foi ver o médico, embora tivesse certeza de que nada de errado havia
com ele. Então, depois que o médico o examinou minuciosamente, ele concluiu o
seu diagnóstico.
— Bem, Sr. Josué, acho que já
descobrir qual o seu problema. – disse o médico com uma expressão grave.
— Pode dizer, doutor. – disse Josué, não
demonstrando qualquer preocupação.
— O senhor tem preguiça! – informou o
médico.
— Ah, sim! Mas o doutor poderia me dizer
qual o nome científico para eu informar à minha esposa?
Rio Vermelho, 22 de outubro de 2012.
4 comentários:
Gostei ! Você sabe que eu aprecio a sua maneira de contar os fatos e este me deu mais satisfação ainda, porque conheço pessoa ou pessoas que se enquadram muito bem no estilo Josué... Só me falta, agora , saber o nome científico da tal doença ! Quando souber, por favor, me passe, ok ? Bartolo
Gostei muito desse artigo, o nome cientifico para a preguiça foi ótimo! Carmela Talento
Cristiano, embora eu esteja nas mesmas condições do Josué, aposentado, não tenho tempo para fazer o mesmo, pois sempre tenho alguma atividade, embora ache que ele esta certo. Você como sempre, brilhante nas suas crônicas.
Um abraço, Paulo.
Conheço tanta gente assim. Vc descreveu com uma precisão incrível. A maioria dos homens são assim mesmo.
Parabéns por mais essa joia.
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