Não se sabe de onde ela vem ou
para onde ela vai sob o sol inclemente das onze. Talvez poucos na rua tenham
prestado atenção numa senhora passante, cuja idade bem poderia ser igual à de
nossas mães ou avós. O fato é que ela é quase invisível em meio à paisagem
urbana indiferente aos miseráveis e solitários. É inquietante ver uma idosa daquela
idade exposta ao rigor do calor de verão.
Da janela de onde a observo, também posso contemplar maravilhado
as ondas do mar quebrando sobre as pedras e jogando espuma para o alto, ao lado
da igreja de Santana, no Rio Vermelho, sob o sol infernal deste final de
dezembro. Protegido pelo conforto do ar condicionado, sei que faz muito calor
lá fora e não chove há meses, vejo a grama da praça logo em frente queimada e quase
evaporando. O céu está límpido de causar aflição e com o ano novo quase batendo
à porta, não há previsão de que cairá uma só gota de água para amainar a alta
temperatura. É mais um ao que se vai, e quem dera chovesse um pouco para lavar
a cidade do ano que termina e para receber o novo que logo logo se inicia.
Mas a senhora a que me refiro, todos os dias passa em frente
a esta janela. Trajando um vestido de cor desbotada e surrado pelo tempo, empurra
um carrinho de supermercado sobre o asfalto escaldante, mas que não leva compras
e nem alimentos para fazer o almoço, só bugigangas que ela vai coletando pelo
caminho e adicionando ao seu rico tesouro. Vai apressada como se estivesse
atrasada para chegar ao seu destino, onde não se sabe onde fica. Curiosamente,
ela não está desacompanhada em sua solitária jornada. Logo à sua retaguarda,
segue um cão mal tratado de pelo ralo cor de ferrugem que bem poderia ser
igualmente invisível não fosse por chamar a atenção pela falta de uma pata traseira.
Vai mancando logo atrás de sua dona tentando lhe acompanhar o passo apressado.
Contudo, ela não olha para trás, é como se ignorasse a existência do bicho. Talvez
este nem seja o seu cachorro, eles apenas se cruzaram certo dia e ela lhe fez
um agrado, e como fosse raro este receber carinhos, por isso, elegeu a velha
como sua dona, seguindo-a fielmente sob o sol implacável, apoiando-se nas três
patas que lhe restam, em busca de mais um carinho.
Eu só notei a existência da velha na terceira vez que a vi.
Talvez não nem tivesse reparado nela se não houvesse atrás de si o cachorro que
manca, foi a dupla inusitada que me capitou a atenção. Quem haveria de supor que
uma velha tivesse tal fiel guardião.
Eu não sou o tipo de pessoa que faz pedidos ou lista de
mudanças para o ano novo, mas certamente, se fosse fazê-lo, pediria que aos
idosos fosse-lhes dada uma vida mais digna e de reconhecimento pelo o que eles
já representaram em sua juventude.
Feliz 2013 a todos vocês, a quem dediquei com prazer o meu
tempo e carinho para lhes escrever ao longo do ano. Desejo a todos vocês e suas
famílias um ano de alegrias, realizações e paz no coração.
Rio Vermelho, 31 de dezembro de 2012.