segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Pedido de Ano Novo

Não se sabe de onde ela vem ou para onde ela vai sob o sol inclemente das onze. Talvez poucos na rua tenham prestado atenção numa senhora passante, cuja idade bem poderia ser igual à de nossas mães ou avós. O fato é que ela é quase invisível em meio à paisagem urbana indiferente aos miseráveis e solitários. É inquietante ver uma idosa daquela idade exposta ao rigor do calor de verão.
         Da janela de onde a observo, também posso contemplar maravilhado as ondas do mar quebrando sobre as pedras e jogando espuma para o alto, ao lado da igreja de Santana, no Rio Vermelho, sob o sol infernal deste final de dezembro. Protegido pelo conforto do ar condicionado, sei que faz muito calor lá fora e não chove há meses, vejo a grama da praça logo em frente queimada e quase evaporando. O céu está límpido de causar aflição e com o ano novo quase batendo à porta, não há previsão de que cairá uma só gota de água para amainar a alta temperatura. É mais um ao que se vai, e quem dera chovesse um pouco para lavar a cidade do ano que termina e para receber o novo que logo logo se inicia.
         Mas a senhora a que me refiro, todos os dias passa em frente a esta janela. Trajando um vestido de cor desbotada e surrado pelo tempo, empurra um carrinho de supermercado sobre o asfalto escaldante, mas que não leva compras e nem alimentos para fazer o almoço, só bugigangas que ela vai coletando pelo caminho e adicionando ao seu rico tesouro. Vai apressada como se estivesse atrasada para chegar ao seu destino, onde não se sabe onde fica. Curiosamente, ela não está desacompanhada em sua solitária jornada. Logo à sua retaguarda, segue um cão mal tratado de pelo ralo cor de ferrugem que bem poderia ser igualmente invisível não fosse por chamar a atenção pela falta de uma pata traseira. Vai mancando logo atrás de sua dona tentando lhe acompanhar o passo apressado. Contudo, ela não olha para trás, é como se ignorasse a existência do bicho. Talvez este nem seja o seu cachorro, eles apenas se cruzaram certo dia e ela lhe fez um agrado, e como fosse raro este receber carinhos, por isso, elegeu a velha como sua dona, seguindo-a fielmente sob o sol implacável, apoiando-se nas três patas que lhe restam, em busca de mais um carinho.
         Eu só notei a existência da velha na terceira vez que a vi. Talvez não nem tivesse reparado nela se não houvesse atrás de si o cachorro que manca, foi a dupla inusitada que me capitou a atenção. Quem haveria de supor que uma velha tivesse tal fiel guardião.
         Eu não sou o tipo de pessoa que faz pedidos ou lista de mudanças para o ano novo, mas certamente, se fosse fazê-lo, pediria que aos idosos fosse-lhes dada uma vida mais digna e de reconhecimento pelo o que eles já representaram em sua juventude.
         Feliz 2013 a todos vocês, a quem dediquei com prazer o meu tempo e carinho para lhes escrever ao longo do ano. Desejo a todos vocês e suas famílias um ano de alegrias, realizações e paz no coração.

         Rio Vermelho, 31 de dezembro de 2012.

7 comentários:

Fátima disse...

Obrigada, Cristiano. A cidade está repleta de senhoras como a que descreve com sensibilidade nessa crônica. Infelizmente.

Anônimo disse...

Prezado Amigo Cristiano,
Feliz e Próspero 2013.
Parabéns pelas ótimas crônicas.
Abraço
Sergio N.Nogueira Reis

Anônimo disse...

Parabéns, Cristiano, por este e outros textos. Para você e toda a sua família, FELIZ ANO NOVO!
Janaína

Anônimo disse...

Cristiano, nesta sua crônica voce coloca um pouco do nobre coração que possui.

Um grande abraço e que 2013 traga mais inspiração para suas agradaveis crônicas.

Paulo

Maria Karolina, Austria disse...

Querido Cristiano!
Talvez tenha um pouco menos destas velinhas aqui em Viena. E aquelas que tem sofrem do frio, nao do calor.
Enquanto aqui so faltam tres oras para o novo ano comecar, eu penso junto com voce nos velinhos e venlinhas pelo mundo.
Obrigada pelas suas cartas do moinho, continue por favor e dé as minhas lembrancas á Bahia e a Yemanjá.
Maria Karolina de Viena, Austria

Anônimo disse...

Oi Cristiano,
Você escreve tão bem!
Enviei para umas amigas irmãs de Salvador.
Que tenha um ano cheio de bom!
Beijos!
Feliz 2013
Becky

Sarnelli disse...

Cristiano , não sei o que dizer ! Os leitores que comentaram antes não deixaram nada para mim , e agora ? Aposto que sei de qual janela está falando !

Sarnelli