Era um menino franzino, destes,
criado em condomínio, mas que aos dez anos de idade já era um mestre de lutas
marciais no vídeo game e exímio usuário de computadores e similares. Seu mundo restringia-se
a um monitor de 25 polegadas e a uma tela de um ipod. Nunca brincara de bola de
gude, picula ou fizera estripulias em cima de uma árvore. Ver uma vaca ou
cavalo em pessoa, nem pensar! Era um perfeito garoto nascido e criado na cidade,
como tantos outros. Filho de pais separados.
Naquele sábado, era dia de ele ficar com o pai. A mãe,
então, arrumou-lhe a mochilinha com uma muda de roupa limpa e foi ela mesma
levar o embrulho na casa do ex, logo cedo pela manhã. O pai recebeu o filho com
um abraço afetuoso e em instantes já estavam na rua, pai e filho foram à
barbearia do bairro cortar o cabelo. O passeio seguinte foi uma ida ao mercado
para fazer as compras da quinzena, e quando voltaram para casa estavam
famintos, já era a hora do almoço. Uma lasanha congelada saiu do freezer diretamente
para o micro-ondas e em poucos minutos já estava materializada em seus pratos à
sua frente na mesa, era só o trabalho de comê-la com um copo grande de Coca-Cola
e muito gelo. Uma delícia! Depois do almoço, enquanto o pai tirava um merecido cochilo,
o filho queimava as suas calorias de frente do computador, antes do próximo
passeio do dia que era uma ida ao shopping, seguida de uma sessão de cinema.
Foi o garoto que fizera a escolha do filme, era justamente
aquele que anunciava na TV a cada meia hora e prometia uma diversão para toda a
família. Era a estória de um tsunami, a enorme onda oceânica vinha de surpresa
e causava uma verdadeira bagunça numa cidade. Ele nunca vira um tsunami antes,
assim como nem uma vaca ou cavalo em pessoa, mas sabia que o do filme era de
mentirinha, mas estava muito curioso de ver os efeitos especiais
hollywoodianos, provavelmente o tsunami seria a melhor parte! Em antecipação ao
filme, em sua cabecinha de criança, ele teve fantasias de como seria uma
catástrofe natural como aquela.
E no final da tarde, pai e filho foram ao shopping e o
garoto ganhou, como sempre acontecia em todas as suas visitas, um presente
bacana que o pai fazia questão de lhe dar, embora não fosse seu aniversário, dia
das crianças ou o Natal. A programação seguinte era o filme cujo ingresso,
depois de ter sido comprado após uma espera numa longa fila, havia outra maior
ainda os aguardando para entrar na sala de exibição. Não fazia mal, enquanto
esperavam comeriam um balde de pipoca com um litro de Coca-Cola, afinal,
criança em fase de crescimento precisa comer bastante!
Quando o suplício de aguardar na fila terminou, pai e filho
tiveram sorte de encontrar um lugar ao lado do outro na plateia e, em seguida
as luzes se apagaram e a magia começou! O pai não tinha muita ideia do que se
tratava o filme, mas se era liberado para crianças de doze anos, seu filho de
dez, com certeza, era um menino esperto para entender a estória.
A
estória do filme girava em torno de uma família que sobrevivera a um tsunami,
disso o garoto já sabia. Entretanto a seu entusiasmo tornou-se um pesadelo meia
hora depois de começado o filme. Como a própria propaganda dizia, um enorme
tsunami veio e arrasou um país inteiro, e no centro daquela catástrofe estava
uma típica família americana de férias nas praias de num país exótico. Muita
dor, muitas mortes, muitas perdas. Os minutos seguintes foram de angustia e
sofrimento da família, brutalmente separada pela tragédia e de sua procura para
reencontrar-se em meio ao caos. Ao ver tanta miséria o garoto teve medo e
arrependeu-se da infeliz escolha. Lamentou por aquela família que tinha um garoto
de sua idade. Assistiu o filme emudecido com o choro preso na garganta. Depois
daquela sessão de terror foi para casa assustado e teve pesadelos com tsunami a
noite inteira. Quanta diversão para uma criança de apenas dez anos.
Na
manhã seguinte, no domingo, pai e filho tomaram um delicioso café, uma pizza
Portuguesa sem cebola. Em seguida, o pai arrumou a mochilinha do garoto e foi
ele mesmo entregar o embrulho à mãe. Esta o aguardava com saudades, abraçou e
beijou o filhote ternamente e lhe perguntou se teve um ótimo sábado. Ao que o
menino respondeu com um aceno de cabeça e, em seguida, correu para o seu computador.
Evitando
descrever a rotina de um domingo modorrento, o ponto alto do dia foi no final
da tarde, quando a mãe tinha uma surpresa reservada para o filho. Foram ao
teatro ver um concerto da orquestra sinfônica, algo que o menino jamais vira antes
na vida, assim como uma vaca e um cavalo em pessoa. Era uma programação
especial para adultos e crianças que nunca foram num concerto: as trilhas
sonoras de filmes famosos!
Este
era um concerto muito incomum porque ao invés de usarem os costumeiros trajes
escuros, os quais para os homens são os smokings
e para as mulheres os longos, os músicos fantasiaram-se como personagens de
filmes famosos, até mesmo o maestro! O garoto ficou maravilhado com a surpresa
e, enquanto os músicos aguardavam a entrada do regente, ele tentava adivinhar qual
personagem cada fantasia se referia. E quando finalmente o maestro chegou, a
primeira música que ele regeu foi aquela que todos conhecemos e que é a abertura
de todos os filmes. O garoto se viu num sonho acordado, seus olhos brilhavam de
encantamento.
Para
cada música tocada o maestro tinha o cuidado de apresentá-la previamente ao
público, algumas eram consagradas peças de música clássica e outras recriações
inspiradas em músicas conhecidas. Alguns dos filmes o garoto nunca ouvira falar
em sua vida, pois não eram do seu tempo, outros eram recentes e os seus preferidos.
Entretanto, todas possuíam a mesma coisa incomum, segundo as próprias palavras
do garoto, eram todas lindas! Nossa, ele nunca reparou como a música do E.T.
fosse tão maravilhosa e a do Super-homem tão impressionante. A do Harry Potter
ele não reconheceu a principio, mas depois a achou linda demais. Enquanto o
garoto escutava encantado com tanta beleza, a música clássica ia cuidando de lavar
de sua memória as lembranças ruins do filme do dia anterior, sim, porque a
música clássica é uma das maiores invenções do ocidente e é a única expressão
da criação humana capaz de nos transportar para algo próximo ao paraíso, caso este
realmente existisse.
Ao
final do concerto, o garoto estava feliz e o seu espirito em estado de
contemplação. Anunciou decidido à mãe que queria ser um maestro quando
crescesse, ao que ela lhe respondeu dizendo para ele aprender a tocar algum
instrumento antes e lhe perguntou qual ele mais gostava e ele respondeu
satisfeito e alegre: o violino!
Rio Vermelho,
19 de janeiro de 2013.
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