Nem sempre temos a sorte de escolher
os nossos próprios amigos, por mais íntimos que estes se tornem. Ao contrário, muitas
vezes, nós é que somos escolhidos por estes. E esta é uma estória de uma incomum amizade,
destas que agente não consegue se livrar, por mais incômoda que esta seja.
Nos últimos dias, mal Raimundo Nonato entrava em casa e sua
atenção era chamada por um incômodo ruído que assemelhava-se ao zumbido provocado
por um inseto ao bater as suas poderosas asas, como se este estivesse preso de
algum modo e tentasse libertar-se. Por mais que ele procurasse a origem daquele
barulho, vasculhando os limites de seu pequeno apartamento, ele não conseguia
descobrir a fonte daquele aborrecimento. Mas como ele sempre chegava exausto,
depois de passar o dia inteiro trabalhando montado sobre uma motocicleta, ele
era motoboy, dava-se por vencido e ia dormir ouvindo aquele zumbido
intermitente até cair no sono profundo.
Na manhã seguinte, quando acordava, lá estava o zumbido
novamente, aguardando-o para desejar-lhe bom dia. Aquilo o fazia ficar
mal-humorado e estragava o seu dia. Sempre atrasado, entretanto, ele vestia-se
e saía apressado para tomar o café-da-manhã na padaria. Em seguida, partia para sua jornada de
trabalho sobre a motocicleta, ziguezagueando ente os automóveis, vencendo os
congestionamentos que ia encontrando pela frente. Durante o dia, enquanto
trabalhava, ele esquecia aquele aborrecimento que se tornara aquele misterioso zumbido.
Mas ao final do dia, quando Raimundo Nonato voltava cansado,
lá estava o zumbido aguardando por ele em sua casa. Naquela noite, entretanto
ele estava disposto a acabar com aquela aporrinhação, resolveu colocar a casa
de pernas para o ar e não descansaria enquanto não encontrasse o responsável
pelo maldito zumbido. Arrastou móveis e procurou por baixo e por trás destes.
Fuçou armários, revirou gavetas, até debaixo do tapete procurou sem sucesso. Infeliz,
resolveu ir dormir na casa da mãe que ficava duas ruas adiante da sua.
Ao chegar à casa materna, mal se queixou do barulho para ela
e, para seu desapontamento, percebeu que zumbido o havia ido junto. A mãe foi
incisiva:
— Este
zumbido é no ouvido!
— Será?
– perguntou-se Raimundo Nonato aflito.
No dia seguinte, não deu outra. Correu para ver o médico de
ouvido. Foi o primeiro a ser atendido. O doutor Pereira tinha o olhar cansado e
era um daqueles sujeitos que gostava de falar pelos cotovelos. Quando Raimundo
Notado descreveu o seu zumbido, o médico lhe disse que isto poderia acontecer por
diversas razões. Em seguida, começou a falar de sua recente viagem de passeio a
Aracaju e de como aquela cidade era limpa e organizada. Contou como o povo sergipano
era cortês e educado. Falou de suas bonitas praias e de como um Estado tão pobre
estava em melhor situação que a Bahia. Aquela lenga-lenga não tinha mais fim e
parecia que o doutor tinha esquecido o motivo que levava o paciente até seu
consultório.
Finalmente o doutor se deu por satisfeito com a sua preleção
sobre Aracaju e pediu que Raimundo Nonato fosse sentar-se na cadeira de exame
que era muito semelhante à do barbeiro. Em seguida, olhou para dentro do ouvido
do rapaz com a ajuda de um aparelho apropriado para aquele procedimento. Entretanto,
nem Raimundo Nonato esquentou o assento da cadeira e doutor deu a análise por concluída.
O ouvido do rapaz era perfeito, nada havia de errado com ele.
— Seu ouvido está ótimo! Você não ouve o zumbido quando está
na rua porque o barulho exterior o camufla. Faça uma experiência, ligue a TV
quando chegar em casa e note como seu zumbido desaparece.
— Mas porque meu ouvido está zumbindo?
— Como eu lhe disse, meu caro, tais zumbidos são um mistério.
A causa pode ser qualquer coisa ou simplesmente nada. – sentenciou o doutor.
— Mas o que faço, doutor? Este zumbido vai me deixar louco.
Não tem um remédio?
— Meu caro, o único remédio que posso lhe prescrever é o
seguinte conselho: Faça do zumbido o seu amigo. – deu por encerrada a consulta.
Rio Vermelho, 25 de
março de 2013.