domingo, 3 de março de 2013

A Dúvida Cruel


Fui dar minha caminhada na orla como faço diariamente, mas, neste sábado, troquei o final de tarde pela manhã, pois o dia era convidativo a tomar um saudável banho de sol logo bem cedo. Ao passar em frente à praia da Paciência, não resisti aos seus encantos para que eu fosse dar um mergulho, pois a água estava cristalina como a piscina de um clube grã-fino e serena como as águas do Caribe, além de que, totalmente deserta, exceto por um vulto que eu via de longe banhando-se tranquilamente. Dei por finalizada a caminhada e desci a escada que levava até a areia, e, depois de me desfazer de roupas e tênis, mergulhei na água que estava deliciosamente gelada.

         Não muito distante de onde eu estava, pude ver de perto o vulto o qual eu enxergara da balaustrada. Era uma senhora gorda e de expressão alegre que me cumprimentou com um jovial bom dia, ao que eu retribui com o mesmo entusiasmo. Perguntou-me se eu era morador do bairro e respondi-lhe que desde que eu usava fraudas. Ela disse também que sim e apontou-me onde morava, um prédio antigo erguido exatamente em frente à praia. Então eu lhe disse que ali morara uma antiga professora dos tempos do primário, ao que ela falou o seu nome, dizendo que a conhecia desde menina.

         Fulana de tal tinha sido minha professora dos meus 11 aos 15 anos e guardo dela boas recordações. Ela era, então, muito jovem, na flor da idade, uma dessas legítimas louras de farmácia com todos os seus atributos, muito atraente. Gostava de usar roupas justas com decotes que mal conseguiam conter os seios grandes, os quais eram legítimas criações da natureza, além de um punhado de brincos, colares e pulseiras coloridos que chacoalhavam harmoniosamente quando ela caminhava, pois o seu gracioso rebolado era como o de uma musa andando nas areias mornas da praia de Ipanema. Aquele seu jeito sensual chamava muito a atenção dos garotos da escola que agitavam-se quando ela passava pelo pátio e estes  expressavam a sua admiração de forma escondida por debaixo das calças, a ponto de causar-lhe dor e fazê-los andar de ladinho. Eu, também, a admirava muito e, em meus momentos de solidão e a abandono, tinha nela a minha fonte de inspiração...

         Como esta senhora parecia realmente ser uma antiga moradora do bairro, perguntei-lhe se conhecia Fulano de Tal, meu vizinho de sempre, ao que ela respondeu:

         — Lógico, muito meu amigo. – ela respondeu. Em seguida, acrescentou. – Ele morreu.

         — Realmente ele se foi. Que saudades que ele faz. – eu disse.

         — Sou muito amiga, também, de Fulaninho, seu filho.

         — Sim, Fulaninho...

         — Que coisa horrível, Fulano foi morrer justamente no dia do aniversário de Fulaninho. Isto traumatiza qualquer filho.

         — É verdade. – eu disse. – Mas ele vai superar isto, afinal ele é um homem de quase 70 anos.

         — Com tantos dias durante o ano, Fulano foi escolher morrer logo no dia do aniversário do filho! – ela disse com um pingo de indignação.

         — Infelizmente, nem sempre é possível se escolher o dia que se vai encontrar o Criador, não é mesmo?

         — Uma das coisas que Fulaninho mais gostava era fazer uma festa no dia do seu aniversário... Ele convidava todos os amigos, inclusive eu. Tinha tanta comida, bebida e música. Fulaninho sabia como dar uma festa... – ela disse meneando com a cabeça em tom de pesar.

         — Fazer o quê, né? – eu disse sem ter o que dizer.

         — Veja só, mas que situação: no dia que Fulano morreu, Fulaninho não sabia se comemorava o aniversário ou se enterrava o pai. – disse lamentando.

         — Realmente, está é uma dúvida cruel. – respondi perplexo.

Rio Vermelho, 3 de março de 2013.
        
         

3 comentários:

Anônimo disse...

Gostei demais! Parabéns. Bjs no <3.
Odete Lima

Anônimo disse...

Cruel ė ter esta duvida! Bj e muito seu estilo criativo!
Jaqueline Moreno Machado

Anônimo disse...

Cristiano, voce alem de escritor de cronicas, confessa abertamente um grande amassador de pau para aliviar as tentações. Com todo respeito é claro.
Um grande abraço, Paulo