sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Ele Está de Volta

Não que ele tivesse ido embora ou coisa assim. É só uma maneira de dizer que os dias chuvosos de outono se foram embora, assim como os ventos fortes e, por isso, sem as nuvens cinzas que o escondiam,  o sol voltou a brilhar forte e belo para alegria geral. Como uma decorrência da mudança de estação, o sol também passou a se pôr mais a leste e aqui do Rio Vermelho agora é possível contemplá-lo mergulhando no oceano e não mais por detrás do morro da favela e prédios da decadente Salvador.
         Eu também saí da toca e voltei a caminhar. Faço isto diariamente ao longo da Praia de Santana até a segunda escada da Praia da Paciência e repito este mesmo percurso meia dúzia de vezes no final da tarde, quando o sol já está se pondo e até a escuridão tomar conta das ruas com seus medos. E é neste momento do dia que observo como magnetismo mágico do astro rei atrai multidões até a praia para testemunhar os seus últimos raios de luz.
         Entretanto, algo tem mudado no modo como as pessoas apreciam o pôr do sol. Não encaram mais este momento sublime com o mesmo olhar contemplativo que tanto inspirou poetas, músicos e amantes.  Ao invés disso, utilizam um aparelho de celular com câmera fotográfica que antepõem entre si e o cenário magnífico que acontece à sua frente. Cada momento desta trajetória do sol precisa estar fixado no aparelho e o prazer de assistir o sol se pôr foi substituído por uma atitude de quem está anotando uma receita de bolo ao invés de degustá-lo. O prazer real se dará quando as fotos aparecerem no monitor do computador, na página de uma rede social qualquer para que a pessoa diga ao mundo como ela sabe curtir os bons momentos da vida, o que me parece ser uma espécie de contemplação de si mesma.
O prazer de se curtir os momentos bons da vida vão sendo substituídos pela prática de documentá-los ao invés de vivenciá-los. Os celulares em posição de ataque vão substituindo o olhar puro e simplesmente. Enquanto isto, o sol vai se pondo solitário oferecendo um espetáculo àqueles que gostam de ver o mundo com os próprios olhos. Mais adiante, dois amigos se encontraram e um perguntou ao outro: "E aí, é bonito o lugar que você conheceu na viagem?" O outro responde: "Não sei, ainda não postei as fotos".


Rio Vermelho, 11 de outubro de 2013.

6 comentários:

Berna Farias disse...

Cristiano, amigo, é sempre muito bom pausar o trabalho para ler seus escritos, com as reflexões oportunas que eles trazem. A crônica de hoje, com as pessoas transferindo para seus computadores, tablets, smartphones e outros "brinquedos" a experiência de vivenciar, lembrou aquela piada em que alguém pergunta ao japonês: "E aí, é bonito o lugar que você conheceu na viagem?" E ele responde: "Não sei, ainda não postei as fotos".

Anônimo disse...

Cristiano, completaldo o que escreveu:
infelizmente o homem, embora inteligente, continua agredindo o próximo e a si mesmo,
desconhecendo as maravilhas da natureza não permitindo apreciar o majestoso mundo
que o Criador nos presenteou, correndo atrás das novas tecnicas.
Um abraço, Paulo

Mônica disse...

Como sempre escrevendo coisas legais para nos presentear.

Anônimo disse...

Beleza de texto, estamos cada dia mais conectados com o mundo e longe de nós mesmos...
Ailnton Guerra

Anônimo disse...

Cristiano,

Uma pena que seja assim. Um reflexo do tempo que vivemos e suas idiossincrasias. Aliás, o reflexo disso é que não há um 'reflexo' na alma de quem apenas registra os momentos apenas por máquina. Vá lá que se deva fazer uma ou outra foto, mas utilizar aqueles tablets imensos, é ridículo e o ato diz bem dos equívocos da busca inútil e desenfreada das pessoas por novos equipamentos.
* em tempo: o por do sol no nosso Rio Vermelho realmente está 'demais'. Mas, ao que me parece, o sol tende a 'voltar' pra trás do morro com a chegada do verão, não sei bem...
e, por último Cristiano, gostaria que encampasse uma luta para termos uma praça em lugar dessas quadras horrorosas que poderiam ser colocadas em outro lugar do bairro: Mariquita (atrás do mercado seria um bom lugar com uma valorização daquela área, com iluminação... hoje abriga uns carros de mudança) ou na Lucaia (cobrindo-se o canal como fizeram com a Centenário, criando um novo corredor para o bairro com uma melhor iluminação... atualmente às escuras).
E ali teríamos após várias interferências, um Parque de Esculturas, a Praça Iemanjá com mirante pra festa que todo mundo conhece, melhores passeios mais largos e com outro tipo de piso, enfim!
... tenho boas contribuições neste sentido.

Um grande abraço!

Guache Marques

Sarnelli disse...

Fica muito complicado comentar a sua Bela crônica, que se lê com prazer, É quase um protesto verdadeiro para quém registra as belas paisagens em digitais e realmente só vai conseguir saber o que conseguiu, depois de descarregar o cartão no micro. Esse é o preço do progresso, da era digital, que substuiu aqueles momentos mágicos de antigamente quando as pessoas tinham tempo para sentar atrás do farol da Barra ou no Capim das freiras aqui no RIO vermelho, ou de outros pontos da cidade , observando e curtindo o sol desaparecer no horizonte ,para ir iluminar o outro lado do mundo , deixando o ceu e as nuvens rosados com o resta de luz que ainda nos sobra nos fins de tardes.Na verdade , um espetáculo indescritível que temos o privilegio de poder presenciar. Poucos o apreciam ao vivo e a cores.A maioria da população está muito ocupada correndo atrás do futuro... que eu, na verdade, não sei entender qual seja !