quinta-feira, 29 de maio de 2014

Sem Pequenas Concessões

Li na revista promocional que a caixa da farmácia furtivamente enfiou em minha sacola de compras que o brasileiro gosta muito de se casar. Fiquei na dúvida se ele faz isto repetidas vezes para saciar este seu prazer ou se ele se contenta com uma única vez apenas. Ao mesmo tempo, uma querida amiga tirava a minha dúvida ao anunciar que iria se casar pela segunda vez. Fiquei feliz por ela, pois não apenas acho que todos merecem uma segunda chance e, também, porque a solidão é uma coisa chata pacas! Nada de mais em casar-se novamente – minha vizinha é campeã desta modalidade, pois já o fez quatro vezes de papel passado – não fosse a peculiaridade desta união de minha amiga. Foi acertado que cada cônjuge viverá em sua própria casa, ela na Tijuca, no Rio de Janeiro, e ele em Olinda, no Recife. Um visitará o outro alternadamente e quem fica também feliz com isto é a companhia área.
Ela explica de modo convincente: ela reconquistou com muito esforço e a duras penas a sua liberdade ao se separar no primeiro casamento. Fez tantas concessões, tolerou tantos abusos que um dia se olhou no espelhou e não se reconheceu. Onde tinha ido parar aquela mulher independente e de espirito voluntarioso que sempre fora? O casamento fracassado não apenas tirou-lhe a liberdade, mas a transformou em outra pessoa. O saldo positivo foi duas filhas que ela ama mais que tudo e que por causa delas deu tudo de si para que elas se transformassem em duas mulheres adultas e felizes. A separação, apesar de ter sido uma experiência dolorosa para a família, foi um elemento importante para que as meninas crescessem acreditando no amor verdadeiro uma vez que estavam sendo criadas num ambiente familiar onde a falsidade e a dissimulação existiam. Portanto, minha amiga não queria homem algum novamente em sua casa a se meter em tudo, inclusive a querer controlar a sua vida. “Eu aqui e ele lá na casa dele!”
Naquela mesma semana, sua filha mais velha combinou com um amigo que não via há tempos para tomarem um café. Um encontro inocente à tarde, num lugar público, um café e conversa para atualizar as novidades e reforçar os antigos laços de amizade. No dia combinado, constrangida, ela cancelou o encontro. Como tinha a consciência limpa, casualmente comentara com o noivo sobre o café com o amigo. Entretanto, este não ficou nada satisfeito com aquela história de ela ir se encontrar com outro homem. Proibiu-a.
A filha de minha amiga fez uma pequena concessão. Um pedido simples do futuro cônjuge para que não se encontre com um amigo. É sempre assim, os pedidos são geralmente sobre questões simples. Deixe o cabelo mais curto, vista uma saia mais comprida, não fale mais com aquela pessoa, não frequente mais aquele lugar, lave as minhas cuecas. Quantas outras concessões ela não fará até o dia em que se veja na prisão da qual a sua mãe se libertou?
Não, esta história não teve um final sombrio como imaginam. A filha de minha amiga teve tempo de refletir um pouco sobre aquela situação que lhe pareceu familiar. Ela era uma mulher independente, dona se seu nariz. Se ela e aquele rapaz planejavam se casar, era preciso ele aprender a confiar nela e a respeitá-la. Da parte dela, confiava nele e desejava que aquele sentimento fosse recíproco para o futuro casamento dar certo. Não cometeria os mesmos erros de sua mãe, sem pequenas concessões desta vez. Avisou ao noivo que iria encontrar o amigo para o café e ele que digerisse aquilo como quisesse e aprendesse a confiar nela, se pretendia mesmo casar com ela. Esta história promete um final feliz.

Rio Vermelho, 26 de maio de 2014.