segunda-feira, 20 de abril de 2015

Visita ao Médico Americano

Eu costumava ter uma tosse miserável que me atacava uma vez por ano e cuja frequência era tão previsível quanto a vinda do carteiro com as contas de final de mês. Ela chegava de mansinho e sem nenhum alarde num final de tarde. Uma tosse seca, discreta e ocasional que depois se tornava intermitente e espalhafatosa. Sua intensidade era de tal forma que às vezes eu jurava que podia cuspir os pulmões pela boca. Meus rins doíam de tanto esforço que eu fazia para tossir, a voz sumia. Tudo escurecia à minha frente quando eu era acometido de uma crise de tosse e eu só conseguia ver ao longe a imagem do Criador me chamando para junto dele. E ela durava semanas, meses até o dia em que eu ia me arrastando até um médico para que ele me entupisse de antibióticos e corticoides. Mas o que me curava mesmo era um bom banho de folhas arruda. Aquilo só podia ser mau-olhado.

Esta tosse surgiu pela primeira vez em minha vida quando eu era ainda adolescente. Eu tinha ido passar um fim de semana com amigos num sítio. Imaginem o risco que era deixar um bando de adolescentes por conta própria numa casa do meio do mato. Veio no grupo a linda irmã da namorada de um amigo por quem fiquei de queixo caído. Aquela doçura quase não abria a boca para falar de tão tímida que era. Mas ao contrário do que se podia esperar de uma garota tão acanhada, ela tinha uma tremenda de uma má fama! Fiquei fascinado. Aquilo era uma verdadeira tentação para um garoto de 17 anos cheio da energia causada pelos hormônios que ferviam nas veias. Por certo eu fui averiguar a veracidade das fofocas e fiquei encantado de me certificar que realmente aquela pestinha muda fazia jus à sua má fama! Fizemos “ósadia” até altas horas na noite numa rede que ficava num canto escuro da varanda. – A minha geração não transava com a facilidade que se faz hoje, só comíamos pelas beiradas. – Aquela atividade toda me deixou com calor, mesmo estando uma noite fria. Pus na cabeça que tinha de tomar um banho às 3 da madrugada. Era inverno e não havia água quente na casa, mas me meti debaixo do chuveiro mesmo assim. Depois daquele banho gelado a minha famosa tosse apareceu pela primeira vez.

Eu estava passeando nos Estados Unidos quando tive uma dessas temporadas de tosses e, assustada com as minhas crises, uma amiga me levou a um médico da cidade. Enquanto aguardávamos a minha vez, eu me distraía folheando as revistas velhas da sala de espera. As cadeiras eram antigas, feitas de madeira sólida e desconfortáveis. Mas não demorou muito para eu ser chamado.

O doutor Collins deveria ter uns setenta e poucos anos e era um pouco baixo e gordo. Possuía uma barriga dura e saliente que parecia maior por baixo do jaleco branco. Os cabelos eram todos brancos e brilhavam, eram curtos e ralos. Seu olhar era doce e seus modos afáveis. E ele gostava muito charutos. Eu podia dizer isto com absoluta certeza porque ele me recebeu para a consulta tendo um soltando fumaça entre os dedos da mão. Eu já tinha visto muita coisa nesta vida, e aquela era uma das que ainda me faltava ver.

Ele me perguntou qual o motivo da visita. Eu tive ímpetos de contar-lhe toda aquela história da origem da minha tosse, do meu encantamento por uma menina tímida e mal falada, do nosso rala-e-rola na rede e do banho gelado que tomei imprudentemente numa noite de inverno depois de ter suado muito. Mas eu simplesmente lhe respondi que estava tossindo.

Ele me olhou com um olhar analítico e mandou eu abrir bem a boca e colocar a língua para fora para examinar a minha garganta. Depois auscultou os meus pulmões e me mandou tossir. Essa parte foi bem fácil de fazer porque agora o charuto estava na boca e ele o tragava com prazer soltando baforadas por entre os dentes como um dragão. A fumaça se espalhou pela a pequena sala e me sufocou.  Ninguém precisava estar doente para tossir numa situação como aquela. Eu tossi à vontade e o médico deu finalmente um diagnóstico: o senhor tem uma tosse. Eu fiquei aliviado de ter ido procurar um profissional, pois, do contrário, eu jamais teria chegado a tal brilhante conclusão. E me prescreveu apenas um xarope. Aos sair do consultório, eu fiquei me perguntando onde eu conseguiria um bom banho de folhas de arruda na pequena Springfield, Colorado.


Rio Vermelho, 15 de abril de 2015.

domingo, 12 de abril de 2015

O Cego e a Moça dos Correios

A moça. Chamava-se Claudete e possuía bonitos cabelos crespos e longos os quais mantinha sempre bem cuidados. E o seu corpo era de tal formosura que provocava nos homens olhares e pensamentos maliciosos. Ao caminhar na rua, por exemplo, não havia cristão que resistisse em virar para trás só para dar uma conferida naquela bunda que não era nem muito grande e nem muito pequena, cuja carne era firme e parecia uma fruta no ponto para ser comida. Mas o que mais chamava a atenção para aquela moça, era a sua feiura. Ela era tão feia que causava compaixão.

O rosto era de um formato peculiar. Começava largo abaixo de uma testa arredondada e depois ia se estreitando até chegar no queixo, terminando abruptamente quando se esperava que chegasse até o fim. Os olhos grandes e escuros eram muito afastados, tendo ao meio um nariz largo e torto como o de um lutador de boxe. E ao encarar os homens, ela o fazia com a expressão de uma galinha que ia pôr um ovo e depois mudou de ideia.

No entanto, Claudete era possuidora de uma autoconfiança que faltava em muita mulher bonita. Ela andava com a cabeça erguida e passos decididos como fosse a rainha da cocada preta. Aquela sua atitude segura de si compensava a sua feiura, fazendo os homens esquecerem daquilo depois do primeiro choque.

O cego.  Ele era um cego como qualquer outro que não enxerga e faz uso de bengala branca para se locomover. Ele trabalhava como segurança de uma loja de ração para cães e gatos na rua do canal, onde ficava sentado num banquinho do lado de fora ao lado da entrada evitando que a loja fosse assaltada. Ele tinha uns sessenta e poucos anos de idade e ia trabalhar vestindo calça jeans e camisa de mangas compridas bem passada além de óculos escuros tipo Ray Ban.

Certo dia, Claudete, que trabalhava na agência dos Correios, precisou ir até a rua do canal para fazer uma compra. Durante o percurso feito a pé, passou por homens que lhe prestaram a devida homenagem ao admirar a sua formosa bunda. Como eu já dissera antes, a moça era feia, mas nem tudo era de se desprezar.

Ao passar em frente à loja onde o cego trabalhava, ele pareceu indiferente quando a moça cruzou a sua frente. Só alguns segundos depois de Claudete ter passado, ele virou a cabeça discretamente e baixou os óculos escuros para poder ver melhor aquele presente de Deus. Dir-se-ia, que a sua bunda era de tal perfeição que até cego a admirava!

Rio Vermelho, 09 de abril de 2015.