Na papelaria do bairro, onde
costumo comprar envelopes – porque sou antiquado e gosto de enviar os meus
e-mails dentro de envelopes! – sou sempre atendido por uma moça sorridente de formas
roliças e olhar rápido que se veste com esmero como se fosse gerente de banco. Muitos
dos que ali entram devem imaginar tratar-se da proprietária. Entretanto, ela é,
de fato, apenas a balconista. A outra mulher mais jovem que fica sentada numa
mesa atrás do balcão e que se veste como se fosse à feira, é que é a verdadeira
dona do lugar.
Minhas conversas com a
vendedora nunca avançaram para além do necessário entre o freguês e a
balconista, até o dia de ontem, quando a encontrei casualmente na rua a caminho
do trabalho – ela que ia para o trabalho e eu comprar bananas. Cumprimentei-a como
sempre faço quando encontro conhecidos na rua ao sair de casa e como tudo
indicava que estávamos indo para a mesma direção, fomos conversando. Perguntei-lhe
se era moradora do bairro e ela me explicou que passava uns dias aqui no Rio
Vermelho e outro em Cajazeiras, um bairro para lá de Marraqueche. Fiquei
curioso sobre a razão daquela dupla moradia e ela se adiantou explicando que o marido
morava em Cajazeiras.
Como o meu silêncio denunciasse
a minha surpresa, ela também me explicou que aquele era um acerto do casamento:
unidos por Deus, mas cada um eu seu canto. Achei aquela solução muito prática e
avançada. Quantos casamentos se dissolvem por causa da convivência incompatível,
dizem amigos que se divorciaram. Considerei aquela uma escolha sábia e madura
daquela balconista, a solução perfeita para um matrimonio feliz e duradouro.
Quando a saudade aperta, ela vai até Cajazeiras ou ele é quem vem ao Rio
Vermelho, ela disse. Ideia de gênio!
Às vezes um dos dois sugere
morar juntos, como forma de economizar nas despesas. Mas terminam deixando a
coisa como está, já está dando tanto certo. Aquele arranjo só funcionava tão
bem porque eles não têm filhos, ela disse. “Preferimos ter um carro ao invés de
filhos.” Olha aí outra sábia escolha!
Rio Vermelho, 3 de junho
de 2015.
3 comentários:
É ... uma lição de vida. Tudo muito prático mas, em muitos e muitos casos, deve estar chegando com bastante atraso...
Olha, outra vez você encontrando outra desculpa para não se casar.
Cuidado, o tempo passa rápido e a pezão vai desaparecendo.
Um abraço, Paulo.
É, meu amigo,são as famílias modernas. A família do passado vinculava-se à defesa da estrutura familiar, enquanto uma instituição; agora, se preocupa mais com a felicidade de todos os seus membros. Pai e mãe, na família heterossexual e a bioafetiva, no casal homoafetivo, visam-se à uma vivência, ou seja, a uma convivência eudemonística, na qual o prazer e a felicidade de todos são seu objetivo lógico.
Viva a diversidade!
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